segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Procure sua turma


“Vá procurar sua turma”, se antes era um desaforo, virou um bom conselho nos dias atuais. Quem nunca esteve em um grupo no qual os trabalhos pararam de progredir? Ou entre pessoas com as quais não mais se identifica?

Falar a mesma língua, ter sintonia de pensamento, sentir o propósito alinhado é o que buscam cada vez mais as pessoas que querem ter prosperidade na vida. Mas acima de tudo, é o que buscam aqueles que querem sentido para o que fazem, seja no lado profissional ou no pessoal.

“Procurar a sua turma” faz com que as sincronicidades aconteçam. De repente, começam a chegar sinais de que estamos no caminho certo. Caem no colo informações conectadas com novos projetos e, como mágica, tudo ao redor parece avançar na incrível coincidência.

Quando estamos “enturmados”, deixamos de fazer aquele esforço enorme (às vezes imperceptível) para transmitir ideias e nos fazer entender. A comunicação ocorre mais fácil, fluida e complementar. Parece até telepatia. Sabe quando alguém ia dizer justamente o que você estava pensando? Fulano completa a frase que você começou... Sicrano fala de um assunto que você tinha lido horas antes...

As peças de um grande quebra cabeça parecem se juntar com rapidez e a gente acha tudo insano, fica abismado. O todo vai ganhando corpo até melhor do que o imaginado, e constatamos: Uau! Aonde isso vai levar?! Dá medo? Talvez. Mas, essencialmente, admiração.

A questão é que “procurar a sua turma”, às vezes, leva a desapegos de uma outra turma que, até dia desses, fazia o maior sentido para nós. Só que hoje não faz mais e isso traz insegurança. Pode despertar tristeza e até um sentimento de culpa. Poxa, éramos tão unidos! Funcionava tão bem! Só que quando a gente se depara em um novo lugar que conecta mais forte, a sensação de incompreensão desaparece.

Se nos permitirmos abrir esta nova porta, pode ser surpreendente. O remar contra a maré vai virando coisa do passado e toda a energia agora parece canalizada de forma mais proveitosa. Ufa, um alívio! É quando percebemos os dias a pleno vapor. Renovam-se o fôlego e a vontade de desbravar o novo, mesmo que pareça assustador.

No entanto, agora não estamos sós, mas acompanhados da nova turma, essa outra que se juntou sem planos aparentes. Antes parecia que não estávamos sozinhos. Apenas parecia. Com o esvaziamento do propósito, a turma passada já foi pulando do barco sem a gente perceber. Ou até nós mesmos podemos ter entregue os pontos antes do fim, sem nos dar conta. Não há culpados. Há transparência e confiança, e quando é menos do que isso, não vale mais a pena. A gente estava à deriva e não sabia. Só sentíamos aquele tremendo esforço para realizar qualquer mínima ação, com resultados frustrantes.

Bom seria se, chegada a hora da mudança, surgisse um aviso nos alertando para outra direção. Mas não funciona assim. Em geral, a gente pena e insiste um bocado em conservar o conhecido, em vez de dar adeus e agradecer o que passou.

Penso que na vida, de tempos em tempos, ajustamos o rumo do barco. É quando a tripulação dá uma boa variada e a turma muda. A gente parte para uma nova viagem, sem rota definida, confiando que os ventos sopram na direção que o novo grupo se engajou.

A cada parada pode ser que suba mais alguém. Aqui e ali aparecem mais talentos. Avistamos uma terra distante, às vezes miragem. Pode ser também que não haja mais terra, e agora? A gente também não sabe. Há que se ir aprumando a embarcação. O porto final permanece uma incógnita, mas a turma está lá para descobrirmos juntos.


Enquanto isso, a gente iça as velas, gira o leme e muda de capitão sempre que alguém apontar o caminho com mais lucidez. Nesse novo barco não há mapas, os caminhos são desenhados em colaboração. Mas existe sim uma turma cheia de entusiasmo para navegar em uma vida com mais propósito.

Texto originalmente escrito para a coluna quinzenal no Blog Repórter Entre Linhas .

domingo, 5 de novembro de 2017

Entre sonhos e humanidades


Acho tão bonito isso de ter sonho. Dá uma coragem danada de viver mais e arriscar. Enche a alma de possibilidades. Sai uma força gigantesca de dentro do peito gritando que a gente pode e merece ser feliz. Sonho é magia.

Gosto de pensar nos sonhos que alimentamos, que um belo dia viram presente quando antes só eram possíveis no coração. Digo isso, porque costumo, de forma inconsciente, naturalizar as vitórias como algo simples, sem esforço, “mais do que a obrigação”. Sintoma de pessoa autoexigente. Para me tratar, tenho procurado internalizar o percurso das conquistas, o tempo maturado, a energia desprendida e as ações. As pequenas, as grandes, as improváveis, as banais.

Comecei, então, a registar sonhos e conquistas em um "caderninho de vitórias", como apelidam por aí. Percebi que se anotamos as superações diárias vira uma lista de ruma. Pode ser algo diferente que ousamos certo dia, coisas simples como falar com estranhos, chegar a um lugar desacompanhado, ir ao cinema sozinho ou fazer o que estava na lista de “para quando tiver tempo”. Atos bobos para uns e um passo enorme para alguém. Desejos tão pessoais e legítimos.

Vejo que esse processo acaba por assinalar também nossa trajetória. Abraça os altos e baixos como natural da caminhada. Mostra que aquele dia “não tão bom” não se torna uma mancha na fotografia. Compilar as vitórias, ajuda a lembrar que, se hoje estamos aqui, foi porque antes estivemos mais atrás, e antes de nós outras pessoas, e outras gerações, numa longa cadeia de sonhos, acertos, atropelos. E é tudo tão incrível, porque só o fato de resistirmos, sonharmos, é fantástico. Olhar nossa história com generosidade e acolhimento é energizante.

Outro dia conversei com uma pessoa que me falou muito sobre o quanto cada pessoa tem um percurso particular, desenvolvendo uma percepção distinta sobre a vida. E sobre como viver é relacionar-se o tempo todo. Daí a importância de ser gente, de cultivar a humanidade.

Após quase uma hora de conversa, saí embevecida. O corpo adormecido, enquanto a cabeça processava as reflexões. É sempre interessante ouvir os próprios valores pelo discurso do outro. É um tônico. E prontamente me ocorreu um insight sobre momentos de dúvida, seja na vida pessoal ou profissional. Veio o entendimento de sempre optar pela humanidade, porque no fundo é a nossa razão de existir. 

Naquela tarde, eu estava cheia de trabalho, prazos a cumprir e uma amiga recém-operada por visitar. Eu já tinha concluído que não haveria tempo para ir ao hospital, nem espaço para comportar todos os objetivos do dia. Depois da conversa, no entanto, fiquei sentindo a melhor decisão. Lembrei-me sobre ser gente e optei pela humanidade de abrir o tempo com a mão. Fui ver a amiga.

Já em casa, à noite, “optar pela humanidade” foi para meu “caderninho de vitórias”. Mais uma conquista a celebrar, junto com os sonhos, os pequenos êxitos e as coisas sensíveis. Comemorei a vitória em ser gente, por mais um dia.

O caderninho tem mais inúmeras páginas em branco para anotar, quantas vezes necessárias, essa opção pela humanidade. Uma conquista que não reclama de repetição.

Texto originalmente escrito para a coluna quinzenal no blog Repórter Entre Linhas.