Nascemos da unidade - o amor - e
caímos na dualidade na nossa primeira grande mudança – o nascimento. O embate entre
vida e morte assim que viemos ao mundo cria nossa primeira cisão, o momento
decisivo pela vida. O sentimento de completude que vivíamos no útero não mais se
reproduz. Lá dentro tudo era protegido, seguro, estávamos numa redoma, apesar
de já captarmos o ambiente ao redor. Na vida, buscamos repetir essa perfeição.
Aqui fora, encontramos um mundo polarizado.
Nossas percepções, principalmente com a crise que atravessamos, têm nos levado
à dualidade. Hoje é tudo ou nada, bom ou ruim, certo ou errado, verdade ou
mentira, culpado ou inocente, mocinho ou bandido. Temos nos distanciado do
caminho do meio e da perspectiva de que estamos todos juntos no mesmo barco.
Os julgamentos vão fazendo parte
inerente da nossa rotina, acompanhados de sensações de perda ou ganho. No
automático classificamos situações, pessoas e objetos com rótulos definitivos que
nos aproximam ou afastam. Aqui fora a visão parece estar turva, nossa temperança
também.
Os ânimos aflorados nos levam a
condenações sumárias e separações. Como ascender em meio a tantas decepções? Como
nos acalmar por dentro se por fora está um caos? Como ir além da dualidade?
Essa semana, ouvi uma palestra
com o jornalista André Trigueiro, na qual ele falava sobre transição
planetária, momento que a Terra e nós humanos estamos atravessando para separar
o joio do trigo nesta crise ética, moral e de relacionamentos. Uma crise
sistêmica, global. Segundo ele, é como se tomássemos um vermífugo forte,
amargo, mas que vai nos curar. Trigueiro destaca que durante essa transição é
preciso persistir no caminho do bem, renovar todos os dias a nossa fé,
selecionando o que vemos, ouvimos, comemos, e também as pessoas com quem
queremos estar.
Talvez não estejamos mais aqui
para ver a solução, diz o jornalista, pode demorar muito, embora já esteja
acontecendo. Mas vale fazer a parte que nos cabe no tempo que dispomos na
terra. “A vida é movimento, ação incessante o tempo todo. A hora é de assumir
quem você é no tabuleiro e verificar se onde você está está bom. Se não, ainda
dá tempo de movimentar sua peça no jogo.”, adverte.
As palavras de Trigueiro me
levaram até minha Avó materna, base da minha educação. Ela me ensinou, na sua
simplicidade e olhar firme, lições básicas que me acompanham ao longo das
escolhas diárias. Conselhos nem sempre verbalizados, mas observados por mim
como algo natural do ser humano. “O que não for seu, devolva”; “o que dever, pague”,
“respeite os mais velhos”, “não dê cabimento a fofoca”, “isso não está certo
minha filha”, “fale a verdade”, “não importa o que o outro fez, eu quero saber
é de você, diga”.
Sabedoria de Vó parece milagre, acalma
o coração dividido. Traz aquele sentimento de estar dentro do útero, protegida por
mãos idosas e justas. Quando criança, se eu pensava em dar um jeitinho em
alguma situação, vinha logo a voz na minha cabeça alertando - “minha Vó disse
para não fazer isso”; “minha Vó disse que isso era errado”. Deve ser coisa de
criança, mas ainda tenho esses pensamentos quando vejo os noticiários, quando
observo o trânsito, quando quero dar desculpas para me enganar.
Às vezes eu penso que essa
bagunça toda aqui fora do útero não tem mais jeito, é perda, traição, fim. Mas
escuto André Trigueiro e ganho esperança. É perdão e recomeço. Oscilo mais um
pouco vendo as notícias em todos os veículos falando sobre mentira, propina e
um monte de palavrão. É tristeza e nervosismo.
Os movimentos pendulares cansam.
Parece que estamos sempre arrumando uma bagunça, lembrando-se do básico da vida
- ser inteiro e amoroso.
Volto à infância, para a rede
embalada pela Vó. O coração tranquiliza, me vejo amassando seu cotovelo (mania de
criança), alisando o braço dela geladinho e a escuto dizer “tenha paciência minha
filha”.