quinta-feira, 30 de junho de 2016

A Desconhecida


Ela não me conhecia, eu não a conheci. Ficamos assim, sem nos conhecer. Que bom!

Eram cinco horas da tarde de uma quarta-feira, quando a destemida cruzou os dois lados da avenida em uma moto azul. Atravessou sem capacete, em velocidade reta, com a confiança de um cego. Cego para as leis de trânsito e para a prudência.

Freei em cima da condutora e não tive nem reação de buzinar. Senti meu coração parar um instante e voltar segundos depois pulsando na minha mão. A falta da buzina talvez tenha salvado nós duas. Vai que no susto do momento ela parasse, ou caísse e a gente acabasse se conhecendo.

Sabe aquelas situações que não há tempo de praguejar, nem reagir? As pessoas e os outros veículos ficaram em câmera lenta e eu só pude agradecer. Agradecer por não conhecê-la, por não descer do carro, por não apertar sua mão e lamentar o encontro.

Ficamos assim, a cinco centímetros de saber nossos nomes. Então, siga reto minha senhora. Vá no rumo que for, porque nesse dia não soube sua graça, mas a minha foi Livramento.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Aquele abraço


Dia desses fui surpreendida com uma cena extremamente inocente. O abraço espontâneo de uma criança para outra. Quem recebeu o abraço, um menino lá pelos seus sete anos, também foi pego de surpresa por aqueles bracinhos finos de um garotinho de três. O menino não sabia o que fazer diante daquele afago do pequeno cavaleiro. Ficou ali estático, desajeitado. Um minúsculo silêncio soprou entre nós. Sem graça, o rapazinho logo tratou de correr para o meio da rua em brincadeiras menos infantis - atirar pequenos frutos em outro amigo.

Aquele gesto desprogramado me lembrou que abraços são assim, atos impulsivos, corajosos, que conectam nossa graça com a energia do outro. Abraços são coisas que fazemos quando as palavras não são suficientemente calorosas para expressar nossa intenção. São gestos impensados que às vezes nos pregam peças. Você pode subestimar um abraço acolhedor de urso, ou aquele quentinho de uma estrutura esquelética. E os que encaixam, embriagam a alma.

Mas existem os abraços disfarçados de originais, uma espécie de “falso-positivo”. Aqueles que por educação e fazer social dispensamos a estranhos e a pouco conhecidos. É como aquele beijo perdido no ar que as socialites trocam nas casas de chá. Não se conectam.

Há momentos, porém, em que os abraços são a única expressão possível entre dois seres. Seja por amor ou por sofrimento, o encostar de corpos diz uma infinidade de sentimentos mudos. Algo como - eu estou aqui pra você; pode contar comigo; parabéns você merece e eu reconheço seu esforço; sinto muito meu amigo; imagino o que você está passando.

Relembrando a cena dos meninos, eu me pergunto por que aquele pequeno ser de sete anos se viu tão desconfortável diante do gesto do garotinho de três. Será que a mecânica da vida nos faz desaprender a abraçar? Existe isso?! Ou abraçar é tão instintivo quanto um apertar de mãos?


Creio que carecemos de intimidade e coragem para deixar o outro ouvir nosso coração. E se ele perceber que dentro do peito algo bate acelerado? E se alguém nos descobrir? Poderá ser um risco. Este é o desafio. Podem descobrir que estamos vivos!

quinta-feira, 23 de junho de 2016

Que gosto tem?

Faz pelo menos 15 anos que comi sapoti pela última vez. Senti uma estranheza familiar. Me vejo no quintal da casa, um pé enorme de sapoti de fazer lama. De vez em quando, desavisada, sujava a chinela no fruto maduro amassado na terra. Eu olhando para o céu entre mangueira, goiabeira e sapotizeiro. O mundo era ali, sob as árvores do quintal ouvindo minha Vó me chamar.#efeitoratatouille

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Bolinhas


Sob a cama do fim de semana, uma memória afetiva. Lembro do paninho macio que enrolava meu corpo infantil. Tinha cheiro, textura e cor. Um dia, o pé desavisado provocou um buraco, chega deu para ouvir o rasgo medonho. Mas a Vó remendou e ele continuou cobrindo a noite, prolongando o dia. Tinha cheiro de casa. Bolinhas que traziam segurança e paz, a mesma que me cobre por esses três dias. #‎efeitoratatouille