segunda-feira, 27 de abril de 2009

Marcelino Freire - conto "Da Paz"

Vale a pena acessar para ver esse conto lido pelo próprio autor, Marcelino Freire, um pernambucano, ótimo escritor.

http://www.youtube.com/watch?v=treQ9XXNQas&feature=related

Fazendo as Pazes

A semana que passou foi de muita introspecção. Para ajudar, acabei lendo dois livros e vendo dois filmes que, coincidentemente, seguiram o mesmo foco: o passado.
Os livros foram “Vencendo o Passado” de Zíbia Gaspareto e “Uma Vida Inventada” de Maitê Proença. Os filmes, “Divã” de José Alvarenga Jr., inspirado no livro de Martha Medeiros e “O Passado” de Hector Babenco.
O que tudo isso tem em comum? A lida com o nosso conteúdo passado.

Muitas vezes nos encontramos presos ao passado, em geral sem o saber, por não processarmos determinados acontecimentos, ou mesmo porque passamos por cima de uma situação com a velocidade inapropriada, não destinando a ela uma atenção um pouco mais demorada para aquilo que precisava de apreciação. E assim, acaba que incorremos de formas diferentes em mesmas histórias.

Eu que busco me olhar do avesso há um certo tempo, vejo que somos um poço sem fundo de auto-descobertas. O que parecia óbvio para nossos amigos confidentes, para todos aqueles que nos conhecem para além do palco, quando nos cai o véu surge aquela conhecida sensação de bobo. Uma doce ingenuidade, junto com um sentimento de perdão permitido aos que andavam em círculos.

Ao fim da semana cheguei a conclusão que precisava fazer as pazes comigo mesma. E eu que nem sabia que havia brigado. Pois bem, estava eu diante da coordenadora do meu curso de pós-graduação, conversando sobre o meu perfil relacionado a escolhas de trabalho que fiz ao longo da vida. Agendei um horário com ela para analisarmos minhas reflexões, próprias do momento que vivo. A coordenadora me questiona: “Como você está fazendo para lidar com essa forte convicção que em alguns casos tende ao autoritarismo? Isso está muito presente no seu perfil.” Eu respondi sem jeito: “Ora professora, eu respiro, fiz análise, converso, peço desculpas. Já melhorei bastante sabe, quando é mais forte eu sufoco, escondo, me critico....” E lá se ia eu caindo na real que meu autoritarismo estava dentro de mim desde sempre.

Contextualizando, a convicção é a disposição que empregamos para seguir nossas próprias idéias. Juntamente com a independência e o confronto, esses três elementos compõem uma parte da personalidade chamada de determinação. Uma pessoa determinada de forma equilibrada é comprometida, motivadora. Quando em doses excessivas pode tender ao autoritarismo, ou seja, imposição. Ocorre que na vida real, a determinação tem uma relação bem estreita entre a assertividade e o autoritarismo.

Esmiuçando mais a conversa com a coordenadora, perguntei de que forma esse aspecto B da personalidade pode ter alguma utilidade em vida, como pode alguém utilizar uma coisa tão ruim para o bem. Ela então me esclarece que o autoritarismo tem sua serventia sim, sendo necessário em situações de emergência, importante para alguém tomar a frente das soluções, bem como tem o perfil das causas sociais, nas pessoas ou instituições que lutam por seus valores, como é o caso do Greenpeace.

Então, me senti assim bestinha. “Ah tá. Então a senhora está me dizendo que posso redirecionar essa energia para algo que seja mais apropriado ao invés de negá-la dentro de mim? – comentei me refazendo” Eu pensei cá comigo: “Oh meu Deus, mais isso é lógico! Que coisa, esse autoritarismo que não me deixa!” Coisas de minha mãe e meu avô... E agora, minhas também.

Compreendi então que há tempos venho lutando com meu perfil, escolhendo caminhos que não condizem comigo, numa busca louca de acertar, de ser alguém melhor. Só que não dá para ser outra pessoa toda a vida. Alguma hora a parede vai rachar. Nesse momento, encontro-me olho a olho com o passado. Acertando as contas e me encarando para me assumir.

Percebo que há algo dentro de mim querendo ruir, sair. Já não dá mais para ser como antes. Não adianta tentar me perder em mim, pois acabo me achando. Um dia isso sempre acontece e desculpas já não cabem.

Assim amigos, descobri uma porção de coisas das quais não gosto e se possível não quero mais fazer. Eu não gosto de trabalhar com atividades externas (visitas, prospectar vender), não me apetece ter que lidar com uma grande quantidade de pessoas diariamente, não produzo bem ao trabalhar com muita subordinação, não me agrada falar em público (eu lido e processo minha idéias melhor quando as escrevo), entre outras coisitas. Ao assumir tudo isso, sinto que tiro um peso que não precisava carregar todos esses anos e não sei o porquê essas pedras foram parar no meu bolso.

Sabe quando a gente olha pra trás e se pergunta “por que eu aceitei aquela proposta?”, “por que eu fui por aquele caminho e não pelo outro?”, “por que não insisti um pouco mais no que tanto queria”, “por quê?” Mil porquês sobram no pensamento. O fato é que entendi que, no meu caso, eu escolhi tentar ser melhor naquilo que não era o meu talento. Quem me disse isso? Uma pessoa famosa, Peter Drucker. Já ouviu falar nele? O “pai do management” em seu livro “Desafios Gerenciais para o Século XXI” me ensinou que “a maioria das pessoas concentra-se em melhorar nas áreas em que tem baixa competência, o que é um grande equívoco...A concentração deve ser nas áreas de alta competência e aptidão. Pois é preciso mais energia e muito mais trabalho para passar da incompetência para a mediocridade do que para melhorar o desempenho de primeira classe para a excelência.”

Como disse a coordenadora, minha urgência em escolher talvez tenha sido pela minha essência pragmática. Na vida, eu preciso entender o porquê das coisas e qual as utilidades, para assim me inserir no contexto. Atualmente estou sem respostas, apenas um punhado de perguntas. O que precisamos ainda resgatar do nosso passado? O que mais não aceitamos em nossa personalidade? Em que temos empregado o tempo desnecessariamente?

Indo adiante, reconheço aqui meu autoritarismo, acolho essa minha face B, pois assim como em quase tudo, há um lado bom nessa característica. Hoje, mais do que ontem, aceito-me como sou e busco um caminho que tenha mais a ver comigo. Meu olho, prometo, há de brilhar.

domingo, 19 de abril de 2009

Carta a Vizinha

Sra da casa das plantas,

Segue carta de sua vizinha recém-chegada. A senhora ainda não me conhece e eu tampouco tive o prazer de apertar sua mão. Localizando-a: dentro de seu jardim, a senhora olhando para a rua, fico exatamente a sua esquerda, no andar de cima.
Faz um mês que da minha janela observo sua casa sempre em reforma. Primeiro foi uma grande obra para retirar uma linda palmeira que tapava a visão de sua varanda. O movimento durou duas compridas semanas, incluindo o domingo. Ao final, em um carro, vi sair a imponente árvore a ser transplantada para outros terrenos, acredito eu. O projeto se fez em cortejo. De meu escritório, acompanhei tudo.
Como entendia findada a reforma agrária em seu pátio, despreocupei-me. Para minha ingrata surpresa, os dias se seguiram com novos projetos de replantação. Percebo pela quantidade de flora em sua morada, que lhe há um grande apreço pelo verde. Confesso que eu mesma sou uma grande fã da cor e de tudo que envolva vida nesse sentido.
Ocorre que passo os dias a estudar e a escrever, prática antiga e só agora rotineira. Vim parar em sua cidade com esse fim. E como o ofício requer concentração, tenho sido alvo de idéias rompidas e pensamentos desfeitos. Ora marteladas invadem minhas páginas, ora o seu mimoso casal de pinchers late sem pausa para fôlego, ora a senhora mesma, em sua voz peculiar e alta, não permite a construção de um raciocínio lógico em meus escritos.
O fato é que uma vez que não fomos apresentadas, adiei esse esperado encontro para um motivo mais plausível baseado em alegrias e felicitações. Talvez os parabéns pela nova disposição de suas árvores. Talvez a curiosidade por ver em seu terreno uma pequena capela. Rezam missas? – pergunto-me às vezes. Assuntos enfim mais agradáveis hão de nos fazer conhecer uma a outra. Assim sendo, mudei meu humilde escritório para minha sala.
Devidamente instalada, vejo em frente a me inspirar um pequeno prédio de dois andares, com pintura em dois tons de verde. Perceba que o tema ainda me segue. O telhado é gasto e abriga cinco antenas de TV. Ao todo, oito janelas se enquadram no meu ângulo de visão, sendo que quatro delas estão entupidas de roupas em cores variadas, como um moderno varal de um pombal, permita-me a comparação. Daqui vejo um pano de prato branco ao lado de um par de tênis pegando sol no andar de cima. Logo abaixo, secam uma camisola velha desbotada, bem como roupas de cama, mesa e banho em cores diversificadas. Curiosamente não há nenhum estampado.
Revelo-lhe ainda que, embora a paisagem seja pouco inspiradora e o silêncio maior do que antes, o que me chama a atenção é a rotina quase privada do vizinho ao lado esquerdo de minha morada. Participo agora da faxina da sexta-feira, dos passos do filho mais velho chegando tarde da noite e do cheiro dispensável de cigarro que num vento desavisado escapa da porta do vizinho e se divide entre a escada abaixo e a fresta da porta de entrada de meu “ap”.
Portanto, vizinha da casa das plantas, enumero e lhe exponho minhas alternativas. Desde minha mudança interna devido seu projeto ambiental, fico entre três opções a decidir qual mais impele o meu senso de produção: a reengenharia de sua casa, a pintura surrealista do prédio em frente ou o intenso dia-a-dia do meu vizinho à esquerda. Registro ainda que as duas últimas opções são indissociáveis.
Espere um pouco. Escuto algo...Ouço agora mesmo, sussurrando pela janela do meu quarto (que fica aos fundos de onde estou, mas de frente para a rua do meu edifício) o sambão do vizinho de baixo. Um CD acústico, com o show de seu conjunto preferido, lembra-me da tão falada globalização.


Assinado: A Vizinha recém-chegada do prédio Maria Madalena

quinta-feira, 16 de abril de 2009

O que nos mantêm unidos?

Nesta Páscoa, tive a oportunidade de conhecer uma cidade aconchegante, cheia de natureza, religião e história. Um paraíso em quedas d’água chamado Carrancas.

“Duas caras feias que se olhavam. Dizem os antigos habitantes que essa foi a origem do nome ‘Carrancas’. Uma formação rochosa, avistada pelos primeiros bandeirantes que passaram pela região, batizou esta cidade mineira. Abençoada por uma natureza exuberante e cercada de nascentes, Carrancas é mais um paraíso perdido das montanhas de Minas, onde é possível e preciso esquecer da vida e se entregar às delícias de suas águas e paisagens.” (Marcelo JB Resende)

Localizada ao sul de Minas, a 279 Km de BH, Carrancas é uma das três principais vertentes da Estrada Real (rota oficial entre as minas de ouro de MG e o porto de Parati - RJ no século XVIII). A cidade integra ainda o circuito turístico Trilha dos Inconfidentes, do qual fazem parte também as cidades vizinhas de Tiradentes e São João Del'Rei.

Segundo o dicionário Michaelis Carrancas significa “1. Cara muito feia, que indica mau humor. 2 Máscara, caraça. 3. Cara feia de bronze, pedra etc. em chafariz, tanque ou edifício.” Folclore ou não, na viagem encontrei algumas carrancas pelo caminho.

Viajei com um grupo de amigos. Após três horas e meias de curvas, montanhas, e muito verde, chegamos quinta à noite no sítio do seu Oswaldo. O lugar era um grande descampado, com algumas árvores à margem, restaurante central, banheiro masculino e feminino na lateral e pequena estrutura para churrasco coletivo. Ao fundo, ouvia-se o movimento dos carros na estrada e o som da água corrente de um pequeno riacho. O grande diferencial, no entanto, era o banho quente somado a simpatia do proprietário.

A lua cheia, céu estrelado, iluminava várias barracas já instaladas antes de nós. A temperatura baixa inspirava um clima de romantismo e vida simples. Na mala apenas o essencial. No espírito, a leveza da aventura e do desconhecido. Nesse clima, descarregamos o carro, montamos as barracas, acendemos o fogareiro e no estilo escoteiro fizemos um delicioso cachorro-quente. Estávamos unidos para viver bons momentos.

Manhã seguinte era sexta-feira da Paixão. Carrancas estava toda fechada. A cidade parecia um deserto. Por ordens do padre, figura que comandava com pulso a cidade, estava proibida a venda de bebidas, carne e camisinha, além de som alto e qualquer tipo de atividade comercial. A população seguia à risca as regras do pároco enquanto se preparava para a encenação à noitinha.

Onze horas da noite, o sino badala, dois homens sacodem um curioso instrumento feitos de placas de metal. O som evoca o cortejo, uma longa fila circulando a praça central anda devagar em direção a Matriz Nossa Senhora da Conceição das Carrancas. Igreja belíssima, construída na primeira metade do século XVIII, toda em quartzito, com pinturas do discípulo de Aleijadinho.

Toda a cidade estava ali, na sua melhor roupa, expressão compenetrada, unidos pelo catolicismo, segurando pequenas lanternas, para olhar o corpo de Jesus velado na Igreja. Uma amostra espetacular de fé, envolvimento e conservação da cultura local. Um movimento bonito de se ver.

Sábado de aleluia seguiu tranqüilo. De dia cachoeiras, de noite a vida de camping. Em meio a tantas barracas, cada uma unida por sua história em particular.

Era tarde da noite do sábado. Num movimento alegre, quase como Woodstock, foi chegando gente de todo lugar no restaurante do seu Oswaldo. Numa só tribo, juntaram-se os beberrões aos alternativos estilo hippies, aos reservados, mais os churrasqueiros e até os menos afeitos a barulho. As vozes cantavam Gilbero Gil, Zeca Baleiro, Raul Seixas, Nenhum de Nós. A gaita, o violão e a bateria improvisada, uniram-se tornando a noite mais especial, com clima de Supercine.

Envolvidas pelo calor do momento, três bêbadas alegres brindavam fervorosas a recente solteirice. Em tom de desabafo comentavam que àquela altura deveriam estar casadas. “De agora em diante, tão cedo não queremos saber de casamento. Um brinde a solteirice!” – gritavam com fôlego renovado. E cantavam, brindavam, desciam ao chão, com a alegria frouxa, guardada há tempos para o momento a dois. Estariam felizes ou afogando as mágoas? O que poderia ter acontecido para o rompimento do noivado? “Eu quero é ser feliz! O que tem de mal em sermos nós mesmas?!” – questionavam-se todas ao mesmo tempo, em crescente sintonia, unidas pelos mesmos roteiros já vividos. No dia seguinte, estavam impecáveis tomando Todinho e misto quente, com a certeza de que iriam repetir a farra juntas.

Do lado de fora do restaurante, um casal beijava-se ardentemente, unidos pela ânsia dos descompromissados, curtindo o breve momento que não se repetiria. Após uma sessão de amassos, voltaram para a roda da cantoria, engajando-se facilmente na letra da próxima música, abertos a novos olhares. Estavam ali, sorridentes, vivendo o momento, sem julgamento e maiores pretensões. Estariam certos, errados? Há por que julgá-los?

Ao lado, um casal aparentemente romântico tinha seus momentos de franqueza. “Cláudio, você precisa ser menos dependente de mim! Fica esperando sempre pela minha ajuda” – gritava em voz alta a namorada, sem atentar para a platéia ao redor. “Denise, não precisa mais, pode deixar que eu resolvo. Muito obrigada!” – respondia o namorado exposto e indignado. Os papéis pareciam trocados. Ela o homem da relação, ele a mulher magoada com a rispidez do diálogo. No dia seguinte, desarmaram a barraca, tomaram café pensativos e entraram no carro mudos, com a cara fechada um para o outro. Como seria a viagem de volta? Haveria conversa na estrada ou se manteriam monossilábicos até em casa? A relação sempre fora assim ou estavam naquele estágio no qual um acreditava contribuir mais para o relacionamento do que o outro? Até quando estavam dispostos a seguir? Na balança, o peso de ganhos ainda seria maior do que o das concessões? O que naquele momento os mantinha unidos?

Próximo dali, um moço pensava na vida. Em sua barraca iglu, colchão inflável, edredom quentinho, planejava o que iria fazer quando voltasse a cidade. Romperia ou não com a namorada? Fazia quatro anos e meio de relacionamento e ali, naquele instante, na calma do acampamento, não sentia saudade dela. Não havia a mínima vontade de ligar e não sabia mais o que os mantinha unidos. Os amigos o questionavam o porquê da retomada do namoro. Ela não tinha nada a ver com ele. E há muito que ele concedia suas expectativas e desejos, acreditando que um dia as coisas iriam mudar. Rompera uma vez e confessou que voltou mais por comodismo. “Sabe como é, sábado à noite, sozinho, a gente sente falta.” – refletia baixinho. No momento, estava perdido por não conseguir planejar um futuro em comum. “Então, para que ficaremos juntos?” – repetia a pergunta para si. Estava disposto a continuar abrindo mão do que queria para si? Amava a ponto de sempre adaptar-se ao estilo da namorada? Saberia ficar só? No domingo pela manhã, desarmou a barraca com o pensamento distante. Embora interagisse com os amigos, estava apreensivo com os rumos que daria a seu namoro.

No restaurante, o som da batucada continuava baixinho. Quebrando a melodia da noite, ouvem-se gritos no lado esquerdo do acampamento.
- A carne queimou e a culpa é minha?! – gritava indignada uma mulher de voz estridente.
- Cala a bocaaaaa!! Todo dia a mesma coisa! Chegaaa! – berrava o homem, suposto marido.
- Eu vou embora. Não quero mais ficar aqui. – falava chorosa a amiga.
- Que droga Amanda! Você vai ter que ouvir. Vai sobrar pra mim de novo! Eu gosto de você, mas a culpa não foi minha! – desabafava a primeira mulher.
E a discussão seguiu por mais meia hora, entre xingamentos e declarações de amor bêbadas, marido quase infartando, filha chorando e pedindo para a mãe parar com aquilo, amiga dizendo que iria pegar estrada naquela hora. Os diálogos se misturavam e refletiam sentimentos confusos, de pessoas perdidas na própria relação.

Os ouvintes estariam se questionando a que ponto tinha chegado aquela relação. O que ainda mantinha aquela família unida? E o casal amigo, há muito participava daquele tipo de discussão? Que outras performances existiram antes dali? Na manhã seguinte, a paz assentava como se nada tivesse acontecido.

Domingo de Páscoa. Barracas desfeitas. Clima friozinho, café quentinho e uma longa estrada cheia de curvas para casa. No caminho, lembro das histórias que presenciei e me pergunto: o que nos mantém unidos?

Podemos nos unir pela fé como a cidade de Carrancas, pelos bons momentos, apenas pelas lembranças, pelo amor, pela raiva ou dependência, pela ilusão e até mesmo pelo comodismo. É certo que participamos de vários grupos sociais, por diversos motivos, usando carranca ou sendo nós mesmos. Ter sempre em mente o porquê de estarmos ali, naquela condição, naquela relação com o outro, fazendo as escolhas ou concessões que fazemos, direciona nosso viver consciente.

Seja no acampamento, na estrada, em casa ou dentro de nós mesmos, o que nos mantém unidos ao momento, ao outro, a cada dia e a cada instante, é sempre nossa escolha. Podemos decidir por nós, sabendo o que estamos dispostos a dar e expressando o que efetivamente queremos receber. Exigir demais, exigir de menos? O diálogo, o autoconhecimento e nossos sonhos podem nos ajudar a equilibrar essa balança. Assim, não exigimos o que o outro não pode dar e não nos forçamos a dar aquilo que não podemos.

Então, aqui vai uma sugestão: aproveite para deixar sua carranca de lado e procure descobrir o que o mantém unido.

A quem você agradece?

Nesse domingo, dia cinco de abril, minha querida Avó faria 89 anos. Foi um dia saudoso e sentimental.

Lembro como se fosse agora, a Vó a espiar minha conversa no terraço pelas frestas da veneziana da sala, tentando a muito custo escutar meus possíveis segredos. Era um movimento conhecido, esperado e ao mesmo tempo carinhoso. Eu dizia “Vó pára com isso! Deixa de espiar!” Na frente dos mais chegados, eu gritava de longe e ríamos juntos. Se primeiros freqüentadores, eu pedia licença e cuidadosamente cochichava no ouvido dela, conduzindo-a pela mão novamente para dentro do quarto. Ela replicava “minha filha isso não é direito!”

Que saudade da minha querida! É certo que a doença, Alzheimer e outros males, há muito que a levava de mim. Mas olhar para ela, no fundo me trazia calma e segurança. Uma certeza de que tudo sempre daria certo e que estávamos juntas a nos proteger.

Minha querida Vó acabou sendo a Vó de muitos. Quem a conheceu, de certo que se lembra de alguns causos. Como não conseguia memorizar nomes com facilidade (hoje acho que já era manifestação do Alzheimer), deu aos meus amigos vários apelidos. Para mim, até mais complicados do que seus próprios nomes, para ela uma maneira de guardar o jeitinho de cada um consigo e se manter atual. Então, criou “a perna grossa”, “a doida”, “o mimoso”, “o menino tão bonzinho”, “a menina que não come carne”. E por aí seguia com sua criatividade. Às vezes, passava o dia inteiro tentando recordar o nome daquela cantora. “Aquela antiga, do cabelo grande encaracolado, da voz bonita, que apareceu no Faustão. Como é meu Deus?” – perguntava-se. “Elba Ramalho Vó!!” – eu respondia para tirá-la daquela ansiedade obcecada. “Graças a Deus!” – suspirava aliviada.

E quando guardava objetos e não sabia mais onde encontrá-los?! O bom era quando dizia que eu tinha pego e sumido com a coisa em questão. Eu dizia “Vó, não precisa esconder, que aí nem a senhora acha mais!” – “Minha filha, tem muita gente nessa casa. Você mesma devia guardar melhor suas coisas.” – respondia me aconselhando. Daí, passou ela mesma a trancar meu guarda-roupa e a sumir com minha chave. Era um Deus nos acuda para encontrar.

De humor oscilante, alguns dias acordava com a cara fechada. Reclamava que o filho a pedia “Mamãe, dê um sorriso” – repetia com voz irônica. Em resposta ensaiava um sorriso amarelo com misto de indignação e raiva. Eu ria, mas me perguntava o que ela já não tinha passado por esta vida que a fazia tão objetiva e incrédula. Depois que ela se foi, acabei concluindo que mesmo com todo amor, não conheci a vida de minha Vó. Talvez o pouco que me contava, trazia a ela nostalgia, tristeza e alívio pelo tempo já passado. Talvez por isso, ou mesmo desinteresse de adolescente, não tenha avançado muito nessa pesquisa.

Hoje refletindo, vejo que a sinceridade era sua grande marca. Tranquilamente soltava pérolas como “só estou a tua cara não tremer” – quando não acreditava em alguma desculpa. Ou então, “mas você é cara lisa!” – jogava com a sabedoria de quem já viu muito, quase tudo, e por isso desenvolveu o ceticismo como sistema de sobrevivência.

Lembro muito dela comendo banana e doce de mamão, suas iguarias preferidas, dizendo “ô beleza!”. Ela adorava banana assada com açúcar e canela. De um modo geral, adorava banana, seja na comida, após o almoço ou mesmo o doce. Costume que guardo comigo até hoje.

“Fioquinha”, como carinhosa e unicamente me chamava, era a expressão máxima da ternura de uma mulher que não recebeu muitas demonstrações de amor ao longo da vida. Orgulho-me de ter ensinado minha Vó a abraçar. Mesmo dizendo “sai, sai, sai” ela se permitia, somente comigo, aquela rápida e tão simbólica troca de afeto.

Com minha Vó, aprendi a ter medo de trovão, a fazer pudim, a dormir na rede, a estudar, a gostar de plantas e de verde, a respeitar e amar os mais velhos, a valorizar o apoio que recebemos e saber retribuir, a me preocupar com as pessoas, a ter dedicação, a ser honesta, a ter gratidão e a dizer EU TE AMO.

Nos últimos anos, minha vozinha começou a pintar as unhas de vermelho. Certamente uma travessura na sua idade. Cortar o cabelo, pintar as unhas, fazer as sobrancelhas e uma pequena estética fácil, eram luxos que se dava e me permitia praticar com uma certa regularidade.

Se hoje aqui estivesse, faria seu aniversário como tradicionalmente o fiz nos últimos cinco anos. Teria bolo com velinhas, família, almoço, sobremesa, fotos, discurso. Ela me olharia desconcertada e diria “ah cretina!”. Cantaríamos parabéns e eu diria que a amava demais, algo que passei a fazer todos os dias, quando já não sabia mais por quanto tempo ainda a teria perto de mim.

No final de sua vida, aprendi bastante principalmente a expressar meu amor por ela a cada momento, a cada instante. Não me cansei de repetir, o quanto me sentia grata por tudo que vivemos, por tudo que recebi. Palavras de perdão, gratidão e amor formaram meu discurso final e sei que ela entendeu.

Mesmo estando longe, presto então minha homenagem a minha amada Avó. EU TE AMO VÓ! E nesse domingo, pintei minhas unhas de vermelho pelo seu aniversário.

A que você veio?

Essa semana dois fatos merecem destaque no semanário. Primeiro, conheci uma pessoa muito gente boa e segundo, iniciei uma disciplina muito interessante no curso.

A pessoa que conheci foi uma indicação do marido de uma colega de trabalho em Fortaleza. Desde o primeiro contato, essa pessoa demonstrou ser atenciosa, solícita e verdadeiramente interessada em me ajudar. Ouvi frases do tipo “quero ser o seu apoio aqui em Minas”, “o que você precisar e estiver ao meu alcance pode me procurar”, “pode contar com a estrutura do meu escritório para qualquer necessidade”. Ouvir isso de um “desconhecido” e sem interesse adicional é de espantar.

Se até então não tivesse tido a sensação de ser bem-acolhida, então aquele sujeito foi o representante legal de Minas, nomeado por mim. Fico pensando no diferencial que essa pessoa tem, no magnetismo e bem-estar que gera nos outros. Disse a ele que foi um prazer conhecê-lo como pessoa. Pela sinceridade, receptividade e atenção, aqui deixo meu destaque da semana.

A segunda menção vai para a disciplina do meu curso de especialização chamada Plano de Desenvolvimento Individual (PDI). Entre as propostas dessa disciplina estão ampliar o nosso processo de autoconhecimento, conhecer o significado e tendências das relações de trabalho e carreira, bem como nos ajudar a elaborar um plano de ação para desenvolvimento individual.

Uau! Lindo demais esses objetivos. Na prática estão chacoalhando minha cabeça. Eu, que já era tão existencial, tendo que pensar em missão de vida, valores pessoais, visão, o que me torna única nesse mundo.

Esses questionamentos sempre me afligiram e nunca tive resposta suficiente para calar a dúvida. Até que resolvi esquecer de pensar sobre a que vim ao mundo e focar mais na objetividade, na coisa real aqui e agora. Para minha surpresa, o curso vem trazer isso à tona novamente.

Então, estou aqui a remexer os neurônios. Embora a resposta passe pelo coração, antes de se formular em definitivo acaba pegando um atalho pela censura ou o bom senso (segundo alguns) do cérebro. Você, por exemplo, já parou para pensar qual é sua missão de vida?! Caso não, vamos fazer alguns exercícios para caminharmos juntos nessa busca.

Imaginem um padre ou afim, qual a possível missão dele? Alguns diriam, facilitar o caminho espiritual das pessoas. Um professor? Formar e desenvolver pessoas. Um técnico poderia ser desenvolver talentos. Uma prostituta? Dar prazer às pessoas, apesar da divergência de opiniões em essência ela pode ser isso sim. Um comediante? Levar humor ao mundo ou alegrar a vida das pessoas. Um médico, salvar vidas. Um cozinheiro, encantar pelo sabor. Um vendedor, promover a satisfação das pessoas através de produtos e serviços.

Analisando brevemente as possíveis respostas, podemos concluir que elas têm em comum o fato de passarem pelo indivíduo e ao mesmo tempo gerarem algum benefício para o outro. Benefício este que ao se realizar, também traz satisfação e felicidade para si, pois a missão pode até ter seus percalços, mas não precisa ser algo sacrificante.

Em resumo, é como se nossa missão estivesse necessariamente ligada ao outro, porque eu posso dizer simplesmente que vim para ser feliz ou viver experiências, só que esses objetivos sempre terão a participação de outra pessoa. Exceto se você viver numa ilha sozinho, viver é algo coletivo e sua missão acaba assumindo essa característica.

Imagino o sujeito que conheci nessa semana, qual será a missão dele, alguém arrisca? Dentre algumas possibilidades penso que uma poderia ser a de ser deixar as pessoas melhores do que a encontrou, seja numa palavra, numa ação, numa escuta.

É isso amigos. Deixo aqui algumas reflexões, porque ainda não elaborei totalmente as minhas. Espero que nós, dentro de nossas missões, visão e valores, tornemos o mundo melhor do que o encontramos a cada dia. Desejo ainda que usemos aquilo que nos torna único, nossa palavra amiga, nosso sorriso caloroso, nossa escuta ativa, que usemos isso com amor e sabedoria. Yes!

Eu digo sim para a vida

Em homenagem a uma grande amigae já pedindo licença a ela, começo meu semanário com esse fantástico alinhamento produzido no meio de uma catarse, no meio daquelas conversas íntimas típicas de grandes amigos. Eu digo sim para o amor, eu digo sim para a vida.

Em relação às notícias, dois fatos “marcaram” essa semana: a ineficiência da OI e o cano furado do banheiro. Eventos esses que de uma forma interessante estão intimamente relacionados.

Com a vinda para Minas, cancelei meu plano de telefonia de Fortaleza e tentei fazer outro aqui. Disse bem, tentei. Há três semanas venho tentando cancelar meu Oi Conta Total e fazer um novo plano aqui, mas parece impossível. Estou fazendo uma coleção de protocolos, nomes de atendentes e nada.
Comecei segunda com essa “fácil” missão de cancelar o velho e criar um novo. Imaginem que fiz 15 ligações para a OI e não resolvi o meu problema. Falei com um sem número de pessoas, fui transferida uma porção de vezes, a ligação caiu outras tantas e eu tendo que repetir todos os dados para aquela voz chata e metálica do atendimento eletrônico. Eu perguntava impaciente “o que você pode fazer para resolver o meu problema?” e a criatura respondia “Lamento senhora, mas nada.” De fato é como dizem nas caricaturas, do outro lado parece que não tem gente e sim uma máquina com no máximo três falas programadas.

Eu comunicava então que ia cancelar minha linha fixa e a pessoa do outro lado começava a me oferecer inúmeras promoções. Imagine a incoerência. Uma pessoa altamente insatisfeita a ouvir ofertas que não resolviam nada. Era cômico até. Típico de comédia da vida privada.

A sensação era de que tudo estava emperrando. Até a ligação para a ANATEL não completava. Parecia que eu estava enlouquecendo. Era como se não conseguisse me livrar do velho e implantar o novo. Eu me sentia enrolada. Sabe esses rolos chiclete que não se consegue dar um fim?! Era o cara dizendo “minha filha, não te quero mais” ou a mulher “cara desculpe, mas não rola” e a outra pessoa sem aceitar o fim e a fazer novas promessas.
Ao final da manhã estava exausta, com aquela sensação terrível de impotência, misturada com frustração, vontade de explodir e ao mesmo tempo incredulidade. Riso pálido e choro se confundiam.

Fui almoçar ao calor do sol rachando para ver se espairecia. Sim, amigos, aqui faz sol e é pior que em Fortaleza. Aliás, trouxe o sol daí, desculpem. Na volta do almoço devia vir alguma solução. – apostava.

Voltando para ao apartamento, o namorado do nada se dirigiu ao banheiro e num movimento frenético começou a furar a parede para pregar uma ducha que teimava em não fixar. Eu ouvia a furadeira e perguntava “Tá furando o quê?”, mas nada de resposta. Embora não me desse atenção, o instinto dele o avisava desde o início que essa era uma operação arriscada. E não deu outra. Em pouco tempo escuto da sala um grito seguido de palavrões. Por fim o desabafo – “eu sabia!!”

Putz! A água saiu pelo cano. Cano furado. Ainda mais essa. Problema com a OI, agora problema com o cano. E a água jorrando. Ia ensopar tudo, prejudicar pintura, podia vazar para o vizinho de baixo... Ahhhh! Parecia pesadelo e brincadeira!

No início deu um pouco de raiva, impaciência, mas evoluí queridos, evoluí. Veio muito rápida a lembrança de um comentário de um grande amigo – “Quando ocorre algum vazamento numa casa, alguma questão com água, é porque a energia ali estava presa e precisava fluir.”

Essa idéia me acalmou e se em outros tempos ficaria extremamente brava, naquele momento acolhi o aprendizado e tranqüilizei o namorado que no fundo só queria ajudar e dar o seu melhor.

Com esse pensamento conseguimos resolver tudo no dia seguinte. E não é que aquele meu amigo tinha razão! Assim como a água, o resto da semana começou a fluir. O namorado recebeu a ligação do trabalho que tanto esperava, eu mesma recebi algumas propostas de trabalho, consegui o acesso tão necessário a internet e finalmente comprei meus eletros (geladeira, microondas, sanduicheira).

Para comemorar, no domingo comprei tulipas e begônias na feira e enchi meu apartamento de flores. Afinal, é com flores que recebemos pessoas queridas. E uma especial bateu em minha porta essa semana: A VIDA.

YES! EU DIGO SIM PARA A VIDA!

Semanário BH

"...sou do luxo da aldeia eu sou do Ceará!" e vim para Minas para dar um up na vida.
Para manter, então, os laços aquecidos e a mente ativa, toda semana envio notícias aos meus amigos através de textos reflexivos sobre o que vivi nesta terrinha de uais. Esse é o projeto "Semanário BH". Não confundam com "seminário" meus caros... rsrsr

Confira a cada semana as histórias e boa leitura.