quinta-feira, 16 de abril de 2009

O que nos mantêm unidos?

Nesta Páscoa, tive a oportunidade de conhecer uma cidade aconchegante, cheia de natureza, religião e história. Um paraíso em quedas d’água chamado Carrancas.

“Duas caras feias que se olhavam. Dizem os antigos habitantes que essa foi a origem do nome ‘Carrancas’. Uma formação rochosa, avistada pelos primeiros bandeirantes que passaram pela região, batizou esta cidade mineira. Abençoada por uma natureza exuberante e cercada de nascentes, Carrancas é mais um paraíso perdido das montanhas de Minas, onde é possível e preciso esquecer da vida e se entregar às delícias de suas águas e paisagens.” (Marcelo JB Resende)

Localizada ao sul de Minas, a 279 Km de BH, Carrancas é uma das três principais vertentes da Estrada Real (rota oficial entre as minas de ouro de MG e o porto de Parati - RJ no século XVIII). A cidade integra ainda o circuito turístico Trilha dos Inconfidentes, do qual fazem parte também as cidades vizinhas de Tiradentes e São João Del'Rei.

Segundo o dicionário Michaelis Carrancas significa “1. Cara muito feia, que indica mau humor. 2 Máscara, caraça. 3. Cara feia de bronze, pedra etc. em chafariz, tanque ou edifício.” Folclore ou não, na viagem encontrei algumas carrancas pelo caminho.

Viajei com um grupo de amigos. Após três horas e meias de curvas, montanhas, e muito verde, chegamos quinta à noite no sítio do seu Oswaldo. O lugar era um grande descampado, com algumas árvores à margem, restaurante central, banheiro masculino e feminino na lateral e pequena estrutura para churrasco coletivo. Ao fundo, ouvia-se o movimento dos carros na estrada e o som da água corrente de um pequeno riacho. O grande diferencial, no entanto, era o banho quente somado a simpatia do proprietário.

A lua cheia, céu estrelado, iluminava várias barracas já instaladas antes de nós. A temperatura baixa inspirava um clima de romantismo e vida simples. Na mala apenas o essencial. No espírito, a leveza da aventura e do desconhecido. Nesse clima, descarregamos o carro, montamos as barracas, acendemos o fogareiro e no estilo escoteiro fizemos um delicioso cachorro-quente. Estávamos unidos para viver bons momentos.

Manhã seguinte era sexta-feira da Paixão. Carrancas estava toda fechada. A cidade parecia um deserto. Por ordens do padre, figura que comandava com pulso a cidade, estava proibida a venda de bebidas, carne e camisinha, além de som alto e qualquer tipo de atividade comercial. A população seguia à risca as regras do pároco enquanto se preparava para a encenação à noitinha.

Onze horas da noite, o sino badala, dois homens sacodem um curioso instrumento feitos de placas de metal. O som evoca o cortejo, uma longa fila circulando a praça central anda devagar em direção a Matriz Nossa Senhora da Conceição das Carrancas. Igreja belíssima, construída na primeira metade do século XVIII, toda em quartzito, com pinturas do discípulo de Aleijadinho.

Toda a cidade estava ali, na sua melhor roupa, expressão compenetrada, unidos pelo catolicismo, segurando pequenas lanternas, para olhar o corpo de Jesus velado na Igreja. Uma amostra espetacular de fé, envolvimento e conservação da cultura local. Um movimento bonito de se ver.

Sábado de aleluia seguiu tranqüilo. De dia cachoeiras, de noite a vida de camping. Em meio a tantas barracas, cada uma unida por sua história em particular.

Era tarde da noite do sábado. Num movimento alegre, quase como Woodstock, foi chegando gente de todo lugar no restaurante do seu Oswaldo. Numa só tribo, juntaram-se os beberrões aos alternativos estilo hippies, aos reservados, mais os churrasqueiros e até os menos afeitos a barulho. As vozes cantavam Gilbero Gil, Zeca Baleiro, Raul Seixas, Nenhum de Nós. A gaita, o violão e a bateria improvisada, uniram-se tornando a noite mais especial, com clima de Supercine.

Envolvidas pelo calor do momento, três bêbadas alegres brindavam fervorosas a recente solteirice. Em tom de desabafo comentavam que àquela altura deveriam estar casadas. “De agora em diante, tão cedo não queremos saber de casamento. Um brinde a solteirice!” – gritavam com fôlego renovado. E cantavam, brindavam, desciam ao chão, com a alegria frouxa, guardada há tempos para o momento a dois. Estariam felizes ou afogando as mágoas? O que poderia ter acontecido para o rompimento do noivado? “Eu quero é ser feliz! O que tem de mal em sermos nós mesmas?!” – questionavam-se todas ao mesmo tempo, em crescente sintonia, unidas pelos mesmos roteiros já vividos. No dia seguinte, estavam impecáveis tomando Todinho e misto quente, com a certeza de que iriam repetir a farra juntas.

Do lado de fora do restaurante, um casal beijava-se ardentemente, unidos pela ânsia dos descompromissados, curtindo o breve momento que não se repetiria. Após uma sessão de amassos, voltaram para a roda da cantoria, engajando-se facilmente na letra da próxima música, abertos a novos olhares. Estavam ali, sorridentes, vivendo o momento, sem julgamento e maiores pretensões. Estariam certos, errados? Há por que julgá-los?

Ao lado, um casal aparentemente romântico tinha seus momentos de franqueza. “Cláudio, você precisa ser menos dependente de mim! Fica esperando sempre pela minha ajuda” – gritava em voz alta a namorada, sem atentar para a platéia ao redor. “Denise, não precisa mais, pode deixar que eu resolvo. Muito obrigada!” – respondia o namorado exposto e indignado. Os papéis pareciam trocados. Ela o homem da relação, ele a mulher magoada com a rispidez do diálogo. No dia seguinte, desarmaram a barraca, tomaram café pensativos e entraram no carro mudos, com a cara fechada um para o outro. Como seria a viagem de volta? Haveria conversa na estrada ou se manteriam monossilábicos até em casa? A relação sempre fora assim ou estavam naquele estágio no qual um acreditava contribuir mais para o relacionamento do que o outro? Até quando estavam dispostos a seguir? Na balança, o peso de ganhos ainda seria maior do que o das concessões? O que naquele momento os mantinha unidos?

Próximo dali, um moço pensava na vida. Em sua barraca iglu, colchão inflável, edredom quentinho, planejava o que iria fazer quando voltasse a cidade. Romperia ou não com a namorada? Fazia quatro anos e meio de relacionamento e ali, naquele instante, na calma do acampamento, não sentia saudade dela. Não havia a mínima vontade de ligar e não sabia mais o que os mantinha unidos. Os amigos o questionavam o porquê da retomada do namoro. Ela não tinha nada a ver com ele. E há muito que ele concedia suas expectativas e desejos, acreditando que um dia as coisas iriam mudar. Rompera uma vez e confessou que voltou mais por comodismo. “Sabe como é, sábado à noite, sozinho, a gente sente falta.” – refletia baixinho. No momento, estava perdido por não conseguir planejar um futuro em comum. “Então, para que ficaremos juntos?” – repetia a pergunta para si. Estava disposto a continuar abrindo mão do que queria para si? Amava a ponto de sempre adaptar-se ao estilo da namorada? Saberia ficar só? No domingo pela manhã, desarmou a barraca com o pensamento distante. Embora interagisse com os amigos, estava apreensivo com os rumos que daria a seu namoro.

No restaurante, o som da batucada continuava baixinho. Quebrando a melodia da noite, ouvem-se gritos no lado esquerdo do acampamento.
- A carne queimou e a culpa é minha?! – gritava indignada uma mulher de voz estridente.
- Cala a bocaaaaa!! Todo dia a mesma coisa! Chegaaa! – berrava o homem, suposto marido.
- Eu vou embora. Não quero mais ficar aqui. – falava chorosa a amiga.
- Que droga Amanda! Você vai ter que ouvir. Vai sobrar pra mim de novo! Eu gosto de você, mas a culpa não foi minha! – desabafava a primeira mulher.
E a discussão seguiu por mais meia hora, entre xingamentos e declarações de amor bêbadas, marido quase infartando, filha chorando e pedindo para a mãe parar com aquilo, amiga dizendo que iria pegar estrada naquela hora. Os diálogos se misturavam e refletiam sentimentos confusos, de pessoas perdidas na própria relação.

Os ouvintes estariam se questionando a que ponto tinha chegado aquela relação. O que ainda mantinha aquela família unida? E o casal amigo, há muito participava daquele tipo de discussão? Que outras performances existiram antes dali? Na manhã seguinte, a paz assentava como se nada tivesse acontecido.

Domingo de Páscoa. Barracas desfeitas. Clima friozinho, café quentinho e uma longa estrada cheia de curvas para casa. No caminho, lembro das histórias que presenciei e me pergunto: o que nos mantém unidos?

Podemos nos unir pela fé como a cidade de Carrancas, pelos bons momentos, apenas pelas lembranças, pelo amor, pela raiva ou dependência, pela ilusão e até mesmo pelo comodismo. É certo que participamos de vários grupos sociais, por diversos motivos, usando carranca ou sendo nós mesmos. Ter sempre em mente o porquê de estarmos ali, naquela condição, naquela relação com o outro, fazendo as escolhas ou concessões que fazemos, direciona nosso viver consciente.

Seja no acampamento, na estrada, em casa ou dentro de nós mesmos, o que nos mantém unidos ao momento, ao outro, a cada dia e a cada instante, é sempre nossa escolha. Podemos decidir por nós, sabendo o que estamos dispostos a dar e expressando o que efetivamente queremos receber. Exigir demais, exigir de menos? O diálogo, o autoconhecimento e nossos sonhos podem nos ajudar a equilibrar essa balança. Assim, não exigimos o que o outro não pode dar e não nos forçamos a dar aquilo que não podemos.

Então, aqui vai uma sugestão: aproveite para deixar sua carranca de lado e procure descobrir o que o mantém unido.

5 comentários:

  1. Menina!

    Adorei a história. E o que nos mantém unidos, apesar de todos os pesares? Acho que no fundo, no fundo é AMOR. O amor vence barreiras de escândalos, dependência, comodismo. Esses são apenas alguns exemplos dos defeitos humanos das tentativas de convivência coletiva. O que é muito difícil... Conhecer a si mesmo e conhecer o outro tentando viver da melhor forma. Viver bem sendo o que se é e saber até onde vai o limite de cada um, não tentando ultrapassá-lo. O amor constrói mas os defeitos e desequilíbrio humanos destroem.

    Manu

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  2. Bom dia amada amiga ! parabéns pelo 1º mês de semanário !

    Só agora respondo, porque foi o momento em terminei de ler. Quantas experiências e momento vividos, sentidos e reflexivos.

    Conviver em sociedade é mesmo um grande aprendizado.

    Adorei a carranca, preciso mesmo descobrir o que me une a um montão de coisas. Você sabe disso né ?

    Tenha uma excelente semana.

    Te amo !

    Bjs,
    Vivi

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  3. Cris,

    Boa Páscoa atrasada!!!
    Vc não sabe como me deixa feliz ver sua evolução de vida,literária,de autoconhecimento,de amor,de compromisso,de tudo de bom que possa ter e pontinhos...
    Me sinto lisonjeada com cada semanário que me chega!E como ele me ajuda a perceber o mundo se encaminhando e oferecendo dádivas a quem procura e se mantem aberto!
    Ótima semana e já estou ansiosa esperando o próximo...

    Bjos e fica com Deus!!!

    Hania

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  4. Na Semana Santa fui p/Canoa Quebrada, foi ótimo, deu p/pegar uma prainha, teve lual na Praia e na rua principal, a Broadway, rolava de tudo, forro, swingueira, axé, dance music, enfim, tipicamente Canoa, onde todos tem o seu espaço.

    Até lembrou um pouco o que vc falou no Semanário, cada um com suas alegrias, dúvidas ou até tristesas, mais unidos num mesmo lugar e objetivo comum, esquecer o dia a dia e ter a esperança de que alguma coisa boa, vai acontecer ou vai mudar !!!! hehehe

    Suzy

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