domingo, 19 de abril de 2009

Carta a Vizinha

Sra da casa das plantas,

Segue carta de sua vizinha recém-chegada. A senhora ainda não me conhece e eu tampouco tive o prazer de apertar sua mão. Localizando-a: dentro de seu jardim, a senhora olhando para a rua, fico exatamente a sua esquerda, no andar de cima.
Faz um mês que da minha janela observo sua casa sempre em reforma. Primeiro foi uma grande obra para retirar uma linda palmeira que tapava a visão de sua varanda. O movimento durou duas compridas semanas, incluindo o domingo. Ao final, em um carro, vi sair a imponente árvore a ser transplantada para outros terrenos, acredito eu. O projeto se fez em cortejo. De meu escritório, acompanhei tudo.
Como entendia findada a reforma agrária em seu pátio, despreocupei-me. Para minha ingrata surpresa, os dias se seguiram com novos projetos de replantação. Percebo pela quantidade de flora em sua morada, que lhe há um grande apreço pelo verde. Confesso que eu mesma sou uma grande fã da cor e de tudo que envolva vida nesse sentido.
Ocorre que passo os dias a estudar e a escrever, prática antiga e só agora rotineira. Vim parar em sua cidade com esse fim. E como o ofício requer concentração, tenho sido alvo de idéias rompidas e pensamentos desfeitos. Ora marteladas invadem minhas páginas, ora o seu mimoso casal de pinchers late sem pausa para fôlego, ora a senhora mesma, em sua voz peculiar e alta, não permite a construção de um raciocínio lógico em meus escritos.
O fato é que uma vez que não fomos apresentadas, adiei esse esperado encontro para um motivo mais plausível baseado em alegrias e felicitações. Talvez os parabéns pela nova disposição de suas árvores. Talvez a curiosidade por ver em seu terreno uma pequena capela. Rezam missas? – pergunto-me às vezes. Assuntos enfim mais agradáveis hão de nos fazer conhecer uma a outra. Assim sendo, mudei meu humilde escritório para minha sala.
Devidamente instalada, vejo em frente a me inspirar um pequeno prédio de dois andares, com pintura em dois tons de verde. Perceba que o tema ainda me segue. O telhado é gasto e abriga cinco antenas de TV. Ao todo, oito janelas se enquadram no meu ângulo de visão, sendo que quatro delas estão entupidas de roupas em cores variadas, como um moderno varal de um pombal, permita-me a comparação. Daqui vejo um pano de prato branco ao lado de um par de tênis pegando sol no andar de cima. Logo abaixo, secam uma camisola velha desbotada, bem como roupas de cama, mesa e banho em cores diversificadas. Curiosamente não há nenhum estampado.
Revelo-lhe ainda que, embora a paisagem seja pouco inspiradora e o silêncio maior do que antes, o que me chama a atenção é a rotina quase privada do vizinho ao lado esquerdo de minha morada. Participo agora da faxina da sexta-feira, dos passos do filho mais velho chegando tarde da noite e do cheiro dispensável de cigarro que num vento desavisado escapa da porta do vizinho e se divide entre a escada abaixo e a fresta da porta de entrada de meu “ap”.
Portanto, vizinha da casa das plantas, enumero e lhe exponho minhas alternativas. Desde minha mudança interna devido seu projeto ambiental, fico entre três opções a decidir qual mais impele o meu senso de produção: a reengenharia de sua casa, a pintura surrealista do prédio em frente ou o intenso dia-a-dia do meu vizinho à esquerda. Registro ainda que as duas últimas opções são indissociáveis.
Espere um pouco. Escuto algo...Ouço agora mesmo, sussurrando pela janela do meu quarto (que fica aos fundos de onde estou, mas de frente para a rua do meu edifício) o sambão do vizinho de baixo. Um CD acústico, com o show de seu conjunto preferido, lembra-me da tão falada globalização.


Assinado: A Vizinha recém-chegada do prédio Maria Madalena

7 comentários:

  1. Oi Cris,

    Agora sempre aguardo o seu semanário.

    Sinto sua falta!

    Todos falamos das saudades que sentimos.

    Fique bem e se expresse... têm sido muito divertido.

    Com amor e luz...

    Gustavo.

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  2. Cris,

    Como diria um tio meu,nunca ninguem esta sozinho nesse mundo e pra cada acao,sempre existira uma reacao.
    De uma reforma, a um semanario ou a fumaca de cigarro que entra e que pode fazer com que mudemos em algum aspecto de nossas vidas(nem que seja de lugar de estudo), ate inumeros outros pontinhos de possibilidades...
    Otima semana pra vc tambem e saudades demais de vc!
    Se cuida mineirinha!!!!
    Bjos!!!

    Hania

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  3. Lamento pela palmeira. Queria conseguir ilustrar essa visão das roupas penduradas. Só faltaram as roupas íntimas. No Ceará, a primeira coisa que a gente vê é uma calçola do tipo 'Bridget Jones', uma cueca furada ou uma tanguinha vermelha. Não sei se eu rio do tênis pendurado ou se eu choro pela palmeira...

    Bjs e saudades.

    Manu

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  4. Parabens Cris... lindo texto. Quem me dera poder escrever tão bem assim, detalhar uma nova vida com uma visão tão romantica da vida.

    As vezes me pego pensando em muitas coisas ao mesmo tempo, que a tão sonhada solidão fosse melhor que a vida agitada que tinha. Mas digo e repito que escreves tão bem que me encantou.

    Adorei o texto.

    Cuida te y abraços.

    Priscila

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  5. Oi Cris

    Estou adorando o semanário e adorei a idéia do blog.
    Refletindo sobre o tema: a vida está sempre nos mostrando externamente como estamos internamente.
    As reformas, as mudanças tem tudo a ver com o seu interno hoje.
    É um reflexo da reforma e da construção interna que você está fazendo.
    A tua janela é um verdadeiro espelho... fica de olho.

    Bjs
    Mairta

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  6. Oi lindona!
    Que delicia ler voce

    saudades e mil beijinhos
    Ramy

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  7. Boa noite querida amiga !

    Somente agora deu para responder, como você sabe estive ausente e cheguei ontem 23/04, e com isso são inúmeros retornos imediatos, e o seu não menos importante. Saiba que quando leio seu semanário, já fico na expectativa do próximo. Cada leitura sinto você bem pertinho, cada palavra, lembro do seu jeito, seus olhos brilhantes sempre em busca de respostas que lhe façam entender mais e melhor.

    Considere livre com os meus comentários/feedbecks.

    Ah, nesse momento eu escreveria uma carta para você minha amada Cris, contanto em detalhes toda a emoção que eu tive ao viajar para o Perú e ter a sorte de conhecer e sentir a energia do mágico Santuário de Machu Picchu.

    Foi lá que conheci, vi de perto e senti a imensidão da natureza, uma fantástica cidade de pedras em cima de uma velha montanha - Machu Piccu com altura superior a 2.400 metros e rodeadas de outras gigantes montanhas verdes e aos seus pés um largo e extenso rio. Cenário perfeito de contemplação, respeito e agradecimento para com a mãe natureza. Só mesmo estando lá para sentir tal emoção. Vibro só em pensar na paisagem que encantou meus olhos.

    Parabéns pelo blog !

    Um longo e apertando abraço da sua amiguinha.

    Saudades,
    Vivi

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