Nesse tempo de discussões
virtuais, achismos e agressões, fui mordida pelos enfrentamentos dos grupos de
WhatsApp. Não escapei à regra.
Um amigo posta foto no grupo ao
lado de Biel, e lá se vai eu, que tanto fujo das brigas de palavras, alertar
meu amigo (que petulância a minha!) sobre a polêmica envolvendo o MC e uma
jornalista do portal IG. "Olhe suas companhias", solto em tom de
repreensão.
A resposta não poderia ser
diferente, veio afiada: "Aquilo é uma vagabunda... Foi até demitida, outra
repórter que será testemunha disse que ela se ofereceu para ele.".
Aqueles comentários começaram a
martelar na minha cabeça. Pronto, acabou meu sossego e postura zen. Me senti
mal com a palavra "vagabunda", com o fato de ser mulher, com o
contexto de assédio e com a questão, claro, da envolvida ser jornalista (minha
profissão). Acusei então esse amigo de manter a retórica, no quesito mulher, na
era do patriarcado.
Para quem não acompanhou o caso, no
dia 3 de maio deste ano, uma jornalista de 21 anos do portal IG foi entrevistar
o tal MC sobre o lançamento do novo CD. Em contrapartida, segundo áudios e
boletim de ocorrência divulgados pela rede, a jovem ouviu sentenças do tipo “se
te pego, te quebro no meio”, “cuzona”, “Sim, você quer que eu te dê um
(selinho)?”, "gostosinha", “Queria que sua entrevista fosse a última
do dia, te levaria para um hotel e te estupraria rapidinho”. Abalada, a
repórter tirou alguns dias para se recuperar, mas quando retornou ao trabalho
foi demitida.
Reponsabilidades à parte (MC, jornalista,
IG, testemunhas, “cultura” do estupro...), questionei meu amigo principalmente
sobre o emprego do "adjetivo" vagabunda, e acabei sendo indagada
sobre minha honestidade. Por que eu não fiquei calada?! Se tem uma coisa que
mexe com minhas vísceras é a tal desonestidade. A palavra mágica que vira
aquela chave interna escondida em todos nós, o botão vermelho que me coloca no
modo "olho arregalado". Para outros pode ser a senha “fraco”, “irresponsável”,
“mentiroso”, para mim é “desonestidade”.
Novamente, dentro de mim algo
ecoava, fiquei introspectiva. Comecei a refletir sobre o que há de desonesto em
mim, sobre o quanto negocio com minha consciência alguns favores.
Não sou modelo, e creio que
ninguém é, embora eu tenha como referência um outro amigo. Não o tomo pela
perfeição, mas pela firmeza de caráter e bom coração, sempre, até mesmo quando
ele é ácido nos comentários. Acredito na integridade dele e na justiça que
lança sobre as situações. Só por isso já me sinto mais esperançosa nos dilemas
diários e na vida. É como se dissesse a mim mesma, há alguém honesto e justo no
mundo. Não é que eu seja pessimista (não sou), é que ter esse “porto-seguro”
aquieta a alma.
O quanto de desonesto há em mim?
E a pergunta tilintou um dia inteiro, dois, três. Até agora.
Esse amigo do WhatsApp indagou se
avanço sinal vermelho. Sim, avanço, principalmente para não ser assaltada à
noite, diria eu. Às vezes até me intitulo "a rainha do fotossensor",
numa brincadeira que não é de graça e coça no bolso. Assumo: ir devagar não é
meu forte. Nem com a dor, nem com o
amor. Mas afinal, devo levar tudo a ferro e fogo?! A ética, porém, não aceita
desculpas.
Sim, reconheço que guardo lugar
na fila para uma amiga, omito alguns comentários desagradáveis de uns para
outros, e minto para mim quando digo que posso comprar só mais aquele sapato.
"E essa blusa? Cabe na parcela do cartão." Engano a mim mesma me
passando de tranquila, quando sou uma criatura altamente impaciente. Entre
tantas outras pequenas e grandes (algumas admito inconfessáveis) trapaças,
concordo com meu amigo: "E existem pessoas bem melhores do que eu e do que
você na política." Mais um ponto que é fato, existem seres melhores do que
eu. Ah, esqueci de dizer, o fulano é político, o qual sempre defendi para todos
por ser meu amigo de infância. Um a zero para ele.
E na continuidade das trocas de
farpas, o amigo destaca, "Quando você fala do meio que vivo, fala de
mim." É justo, ele tem razão novamente, mais um ponto no placar do meu
desarrazoamento. E quem hoje não desacredita na idoneidade dessa classe?! –
Pensei convicta. É, mas a parte não é todo.
"No mesmo meio demagógico da
nossa classe média que sempre vivemos", complementa meu amigo com aquele
ás de ouro da canastra real, que vem selar a partida, há muito perdida por mim.
O que sobrou? O grupo continua,
obviamente, só que fiquei com o nó no peito e foi como se algo quebrasse dentro
de mim. "Dramática!", classificaria esse amigo. Também é verdade. Com
sentimentos tento ponderar, mas quando sinto, sinto.
Com o placar de quatro a zero, só
cabe recolher minha desonestidade e imperfeição, as minhas tentativas de tentar
fazer as coisas de maneira correta, quando estou a anos luz da justeza. Até que
eu vire o placar, vou evitar confusão.