Estava numa loja de departamentos
domingo à tarde quando avistei uma simpática garotinha, lá pelos seis anos de
idade, vestida da cor rosa da cabeça aos pés. Blusa, calça, sapato, bolsa e
fivela no cabelo, tudo combinando. Recordo de mim mesma, aos dez anos, no meu
traje infantil de moletom e bota da Xuxa (quem nunca?), ambos rosáceos, motivo
de orgulho infantil e hoje de zombaria íntima.
A cena na loja de roupas me fez
lembrar também do tempo em que meninas eram apenas de rosa e os meninos somente
de azul. Algo assim monocromático e chatinho. Tempo este diferente da atual propaganda
de uma outra loja de departamentos que diz - “Misture, ouse, divirta-se. E
repita.”. Um vídeo que causou a tradicional polêmica nas redes sociais. Por um
lado, pessoas por trás de seus perfis demonstravam #SantaIndignação, denunciavam que a marca estava impondo a ideologia de gênero, e convocavam um #boicote
à loja para mostrar o repúdio. Sob outra perspectiva, a
liberdade proposta pelo comercial foi celebrada, refletindo os anseios de tantas
pessoas que buscam por espaço e representação.
Não é à toa que a música “Dare” (Ouse,
para tradução em português), interpretada na propaganda pela jovem cantora
brasileira Raíza, diz que “é hora de ir a lugares que pertencemos”, é hora de
ousar, “de alcançar o que está dentro da sua alma” e “de ser quem queremos
ser”.
De fato, estamos numa época na
qual buscamos nos alcançar, reunir nosso corpo, mente e espírito num só lugar,
aqui e agora. Só para variar um pouquinho a loucura desse dia a dia
esquizofrênico. É familiar estarmos com a cabeça no trabalho, o corpo em casa e
a alma em Bali. E o nosso coração?! Ah, esse anda muitas vezes vagando por aí...
A roupa, como extensão da
personalidade e da cultura, tem o poder de nos trazer essa sensação de
pertencimento, de expressar nosso humor, ou até mesmo do inverso - expor aquilo
que tanto lutamos por esconder. Assim a roupa nos revela e, não raro, acaba
expondo o oposto do que queremos contar sobre nós mesmos. É o que se constata,
em geral, naqueles programas de televisão fechada, que mudam o estilo da pessoa
porque os amigos ou a família denunciam a criatura como “deselegante”,
“inapropriada”, “vulgar”.
O interessante é ver que ao longo
dessas programações sempre há em comum na vida das personagens um episódio que
mudou radicalmente a forma como se vestiam. Um marco, em geral na adolescência,
que as fez decidir mudar o próprio perfil para serem aceitas em um determinado
grupo, admiradas por outras pessoas, ou para se sentirem mais importantes. A eterna
busca humana de todos nós, como dizem os psicólogos - reconhecimento e
aceitação.
Experimentar mais cores, ousar na
combinação, repetir as peças, tudo está dentro da nossa cabeça e no limite da
nossa criatividade. E hoje até a moda segue um viés mais sustentável, remodela
peças antigas, revisita brechós e trabalha com materiais alternativos mais ecológicos.
Quem nunca ouviu falar dos sapatos veganos, óculos de madeira abandonada, roupas
e acessórios confeccionados com garrafas PET recicladas e misturadas ao
algodão?
Estampado, florido, preto,
listrado, furta-cor, sou adepta de vestir o que nos cai bem no humor do dia. Se
o arco íris inteiro está disponível par nós, por que não usarmos a nosso favor?!
Lembro que em alguns dias já vesti roupas com a qual não me senti bem e em
outros dias usei o mesmo look, mas me achei ótima. A presença de espírito foi a
grande diferença. A moda também. É uma expressão de dentro para fora.
Antes de sair do shopping, ao
pagar o estacionamento, me surpreendo com mais uma garotinha também de rosa, da
cabeça aos pés. Me pergunto se é preferência dos pais ou escolha da criança. Os
especialistas dizem que as meninas começam a procurar por objetos cor de rosa a
partir dos dois anos de idade. Já teorias antigas defendiam que a origem da
afinidade das garotas pelo tom rosa tenha raízes na pré-história, quando
habitávamos cavernas e as mulheres saíam para procurar frutas. Parece que desenvolvemos
uma espécie de sensibilidade para tons avermelhados.
No entanto, pesquisas mais atuais
dizem que os bebês não são biologicamente determinados para preferir cores em
particular. Conclusão - não nascemos programados com uma paleta de cores.
Saímos das cavernas para
desbravar o mundo e o que é a vida senão um grande barato de ousar, misturar e
nos divertir?!
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