Não foi aqui que assaltaram, mas
foi na casa em frente, a única que naquela viela de pescadores estava escrito
"Aluga-se por temporada."
Os hóspedes passaram o dia
ouvindo som nas alturas, fazendo churrasco, bebendo e conversando, como é
típico nas casas de praia. E passaram o dia sendo observados pela dupla que, às
duas horas da madrugada de sábado, invadiu o recinto com armas à mão.
Não ouvi nada, mas soube depois pelas
fofocas que a tentativa foi frustrada quando parte das vítimas correu e tocou a
buzina dos carros, acordando quem tinha o sono mais leve nas redondezas.
Aquelas cigarras se divertiam sem
considerar que eram observadas. Eu me pergunto o quanto não somos espreitados
no nosso dia a dia, o quanto seres estranhos nos veem. É surpreendente, por
exemplo, o que os vizinhos sabem da gente, o que os transeuntes captam sem que
nos demos conta de sua existência. Na vida normal, sem veraneio, há dias em que
sigo absorta pelo caminho, às vezes fico alerta, mas sei que ainda assim minha
visão de lince não pode dar conta de tudo, não alcança quem estiver à espera
afiado.
Na infância, fui criada numa rua
pouco movimentada, uma das primeiras casas construídas na região, que à época era
demarcada por cerca e um areal. Já vivi no tempo em que o lar completava
cinquenta anos de construído. Cresci com minha Vó dizendo “não dê cabimento”, “não
puxe conversa”, “entra logo”. E assim, era normal não interagir com a
vizinhança, que mesmo sem diálogos sabia da nossa vida.
Todo esse cuidado não impediu que
alguns impertinentes pulassem o muro lá de casa e bisbilhotassem nossa
intimidade pelas venezianas, pelas inúmeras frestas da janela de madeira. Que
uma desavisada empurrasse o portão e minha Vó, tão assustada quanto a
desconhecida, a espantasse com um revólver, enquanto eu menina tremia para
impedir um mal maior. Ou que tentassem roubar o carro no jardim e quase fossem
alvejados pelo mesmo revólver da minha idosa Vó. Era Carnaval e eu não estava
lá. Apenas minha Vó, a proteger meu Avô preso a um AVC, mas que foi corajosa o
suficiente para mirar entre o muro e a parede da esquina. Ficou conhecida como
a mulher que deu um tiro na rua.
Naquela noite de sábado, no
entanto, na casa de praia, eu me preocupava com as horas que não passavam. Sentindo
um aperto no peito, não imaginava que se tratava do rebuliço na casa com vista
para o mar, a casa de aluguel. Foi de frente e eu não vi. Só tentava atravessar
a madrugada, que tem parecido gigante e indomável nestes tempos de insônia.
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