Tempo atrás uma amiga da minha
mãe me reencontrou no Facebook, pela mágica da rede em reatar pessoas nos
momentos e lugares improváveis. Há uma porção de anos tal amiga mora na Suíça e
desde nosso novo “olá” vamos aproximando nossas vivências. Pelos relatos dela, tenho
conhecido minha mãe, uma outra, diferente da época em que eu tinha corpo de
sete anos com preocupações de vinte.
No primeiro fim de semana de
janeiro passamos um tempo juntas, eu e essa amiga, que veio ao Brasil fugir do
frio europeu com direito a shortinho, chinela de dedo, conversas e muitos
drinks; tomamos um longo banho de mar e reavivamos memórias na praia que tanto molhou
nossos carnavais e infância – Paracuru.
Onda vai, onda vem e a amiga me
relata que fui concebida com muito amor e desejo pelos meus pais. Uma novidade,
pois até então eu só tinha descoberto que fui gerada para segurar uma relação,
como nas diversas famílias que se formam (ou não) por aí. Mas já na época não
cumpri a difícil missão de manter o casal unido. Uma árdua tarefa para um bebê
que acabara de chegar ao mundo.
Conversar com essa amiga (da
minha mãe e agora minha) trouxe uma conexão com minhas raízes. Ela fala de uma
mulher e de um homem (meus futuros pais) sob os olhos de contemporânea, que experimentou
juntamente com eles as agruras da adolescência, as decepções e farras da
juventude. Namoradinhos, brigas, traições, enredos de um típico Barrados no
Baile à cearense. Entre risos, me vi ali representada, lembrando-me das minhas
próprias desilusões e desventuras, como meus pais também já o fizeram um dia.
Os detalhes de conversas que não participei
me levam a imaginar como era ser minha mãe no seu tempo de adolescente, a pensar
sobre os sonhos que alimentava, os planos interrompidos, se era ou não uma amiga
leal. Não tenho em mãos a versão dos demais personagens para criar um molde dos
anos 1970. Apenas suspeito o que deva ter sido, me perco em suposições.
Ouvir uma parte da sua vida
contada por outra pessoa, sob o olhar da câmera três, da testemunha, me confirma
o quanto viver é um mosaico. Sob
diversos ângulos, vamos unindo as “verdades” que nos contam em uma colcha de
retalhos, na busca de reconstruir nossas origens. Pinçamos uma história aqui,
costuramos com uma revelação ali e assim tecemos nossa versão sobre a teia da
vida.
A mãe que essa amiga me
apresentou não é a mesma que experimentei, e tampouco será a mesma mulher que
foi para meu pai, ou a filha que conviveu com minha Avó, reunidos os discursos individuais.
Também deve ter sido diferente a amiga da minha mãe dos anos 1980 desta que se
apresenta diante de mim, nas ondas de 2017. E hoje, eu, que antes era apenas um
projeto de gente, vejo aqueles esboços de pai, mãe, amiga da mãe, pintados sob
novos matizes, bem mais coloridos e vivos.
A amiga me chama de “minha
menina”, acho graça, me rejuvenesço e bate uma sensação de voltar no tempo,
quando ainda me lembro de sua voz rouca, sempre festiva, invadindo minhas
recordações sonoras. Ah, isso não mudou! Tem gente que nasce com esse fogo
interno, que não se apaga nem com as intempéries (nem com inverno europeu!). Com
a mesma altivez ela se manifesta hoje, com a alma de quinze anos e a ousadia dos
“enta”.