quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Versões

Tempo atrás uma amiga da minha mãe me reencontrou no Facebook, pela mágica da rede em reatar pessoas nos momentos e lugares improváveis. Há uma porção de anos tal amiga mora na Suíça e desde nosso novo “olá” vamos aproximando nossas vivências. Pelos relatos dela, tenho conhecido minha mãe, uma outra, diferente da época em que eu tinha corpo de sete anos com preocupações de vinte.

No primeiro fim de semana de janeiro passamos um tempo juntas, eu e essa amiga, que veio ao Brasil fugir do frio europeu com direito a shortinho, chinela de dedo, conversas e muitos drinks; tomamos um longo banho de mar e reavivamos memórias na praia que tanto molhou nossos carnavais e infância – Paracuru.

Onda vai, onda vem e a amiga me relata que fui concebida com muito amor e desejo pelos meus pais. Uma novidade, pois até então eu só tinha descoberto que fui gerada para segurar uma relação, como nas diversas famílias que se formam (ou não) por aí. Mas já na época não cumpri a difícil missão de manter o casal unido. Uma árdua tarefa para um bebê que acabara de chegar ao mundo. 

Conversar com essa amiga (da minha mãe e agora minha) trouxe uma conexão com minhas raízes. Ela fala de uma mulher e de um homem (meus futuros pais) sob os olhos de contemporânea, que experimentou juntamente com eles as agruras da adolescência, as decepções e farras da juventude. Namoradinhos, brigas, traições, enredos de um típico Barrados no Baile à cearense. Entre risos, me vi ali representada, lembrando-me das minhas próprias desilusões e desventuras, como meus pais também já o fizeram um dia.

Os detalhes de conversas que não participei me levam a imaginar como era ser minha mãe no seu tempo de adolescente, a pensar sobre os sonhos que alimentava, os planos interrompidos, se era ou não uma amiga leal. Não tenho em mãos a versão dos demais personagens para criar um molde dos anos 1970. Apenas suspeito o que deva ter sido, me perco em suposições.

Ouvir uma parte da sua vida contada por outra pessoa, sob o olhar da câmera três, da testemunha, me confirma o quanto viver é um mosaico.  Sob diversos ângulos, vamos unindo as “verdades” que nos contam em uma colcha de retalhos, na busca de reconstruir nossas origens. Pinçamos uma história aqui, costuramos com uma revelação ali e assim tecemos nossa versão sobre a teia da vida.

A mãe que essa amiga me apresentou não é a mesma que experimentei, e tampouco será a mesma mulher que foi para meu pai, ou a filha que conviveu com minha Avó, reunidos os discursos individuais. Também deve ter sido diferente a amiga da minha mãe dos anos 1980 desta que se apresenta diante de mim, nas ondas de 2017. E hoje, eu, que antes era apenas um projeto de gente, vejo aqueles esboços de pai, mãe, amiga da mãe, pintados sob novos matizes, bem mais coloridos e vivos.


A amiga me chama de “minha menina”, acho graça, me rejuvenesço e bate uma sensação de voltar no tempo, quando ainda me lembro de sua voz rouca, sempre festiva, invadindo minhas recordações sonoras. Ah, isso não mudou! Tem gente que nasce com esse fogo interno, que não se apaga nem com as intempéries (nem com inverno europeu!). Com a mesma altivez ela se manifesta hoje, com a alma de quinze anos e a ousadia dos “enta”.

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