quinta-feira, 16 de abril de 2009

A quem você agradece?

Nesse domingo, dia cinco de abril, minha querida Avó faria 89 anos. Foi um dia saudoso e sentimental.

Lembro como se fosse agora, a Vó a espiar minha conversa no terraço pelas frestas da veneziana da sala, tentando a muito custo escutar meus possíveis segredos. Era um movimento conhecido, esperado e ao mesmo tempo carinhoso. Eu dizia “Vó pára com isso! Deixa de espiar!” Na frente dos mais chegados, eu gritava de longe e ríamos juntos. Se primeiros freqüentadores, eu pedia licença e cuidadosamente cochichava no ouvido dela, conduzindo-a pela mão novamente para dentro do quarto. Ela replicava “minha filha isso não é direito!”

Que saudade da minha querida! É certo que a doença, Alzheimer e outros males, há muito que a levava de mim. Mas olhar para ela, no fundo me trazia calma e segurança. Uma certeza de que tudo sempre daria certo e que estávamos juntas a nos proteger.

Minha querida Vó acabou sendo a Vó de muitos. Quem a conheceu, de certo que se lembra de alguns causos. Como não conseguia memorizar nomes com facilidade (hoje acho que já era manifestação do Alzheimer), deu aos meus amigos vários apelidos. Para mim, até mais complicados do que seus próprios nomes, para ela uma maneira de guardar o jeitinho de cada um consigo e se manter atual. Então, criou “a perna grossa”, “a doida”, “o mimoso”, “o menino tão bonzinho”, “a menina que não come carne”. E por aí seguia com sua criatividade. Às vezes, passava o dia inteiro tentando recordar o nome daquela cantora. “Aquela antiga, do cabelo grande encaracolado, da voz bonita, que apareceu no Faustão. Como é meu Deus?” – perguntava-se. “Elba Ramalho Vó!!” – eu respondia para tirá-la daquela ansiedade obcecada. “Graças a Deus!” – suspirava aliviada.

E quando guardava objetos e não sabia mais onde encontrá-los?! O bom era quando dizia que eu tinha pego e sumido com a coisa em questão. Eu dizia “Vó, não precisa esconder, que aí nem a senhora acha mais!” – “Minha filha, tem muita gente nessa casa. Você mesma devia guardar melhor suas coisas.” – respondia me aconselhando. Daí, passou ela mesma a trancar meu guarda-roupa e a sumir com minha chave. Era um Deus nos acuda para encontrar.

De humor oscilante, alguns dias acordava com a cara fechada. Reclamava que o filho a pedia “Mamãe, dê um sorriso” – repetia com voz irônica. Em resposta ensaiava um sorriso amarelo com misto de indignação e raiva. Eu ria, mas me perguntava o que ela já não tinha passado por esta vida que a fazia tão objetiva e incrédula. Depois que ela se foi, acabei concluindo que mesmo com todo amor, não conheci a vida de minha Vó. Talvez o pouco que me contava, trazia a ela nostalgia, tristeza e alívio pelo tempo já passado. Talvez por isso, ou mesmo desinteresse de adolescente, não tenha avançado muito nessa pesquisa.

Hoje refletindo, vejo que a sinceridade era sua grande marca. Tranquilamente soltava pérolas como “só estou a tua cara não tremer” – quando não acreditava em alguma desculpa. Ou então, “mas você é cara lisa!” – jogava com a sabedoria de quem já viu muito, quase tudo, e por isso desenvolveu o ceticismo como sistema de sobrevivência.

Lembro muito dela comendo banana e doce de mamão, suas iguarias preferidas, dizendo “ô beleza!”. Ela adorava banana assada com açúcar e canela. De um modo geral, adorava banana, seja na comida, após o almoço ou mesmo o doce. Costume que guardo comigo até hoje.

“Fioquinha”, como carinhosa e unicamente me chamava, era a expressão máxima da ternura de uma mulher que não recebeu muitas demonstrações de amor ao longo da vida. Orgulho-me de ter ensinado minha Vó a abraçar. Mesmo dizendo “sai, sai, sai” ela se permitia, somente comigo, aquela rápida e tão simbólica troca de afeto.

Com minha Vó, aprendi a ter medo de trovão, a fazer pudim, a dormir na rede, a estudar, a gostar de plantas e de verde, a respeitar e amar os mais velhos, a valorizar o apoio que recebemos e saber retribuir, a me preocupar com as pessoas, a ter dedicação, a ser honesta, a ter gratidão e a dizer EU TE AMO.

Nos últimos anos, minha vozinha começou a pintar as unhas de vermelho. Certamente uma travessura na sua idade. Cortar o cabelo, pintar as unhas, fazer as sobrancelhas e uma pequena estética fácil, eram luxos que se dava e me permitia praticar com uma certa regularidade.

Se hoje aqui estivesse, faria seu aniversário como tradicionalmente o fiz nos últimos cinco anos. Teria bolo com velinhas, família, almoço, sobremesa, fotos, discurso. Ela me olharia desconcertada e diria “ah cretina!”. Cantaríamos parabéns e eu diria que a amava demais, algo que passei a fazer todos os dias, quando já não sabia mais por quanto tempo ainda a teria perto de mim.

No final de sua vida, aprendi bastante principalmente a expressar meu amor por ela a cada momento, a cada instante. Não me cansei de repetir, o quanto me sentia grata por tudo que vivemos, por tudo que recebi. Palavras de perdão, gratidão e amor formaram meu discurso final e sei que ela entendeu.

Mesmo estando longe, presto então minha homenagem a minha amada Avó. EU TE AMO VÓ! E nesse domingo, pintei minhas unhas de vermelho pelo seu aniversário.

9 comentários:

  1. Querida amiga,

    parabéns pela sua Vó. Que exemplo de mulher ! Cheguei a me emocionar com um sentimento de alegria muito gostoso!

    Como num tive a oportunidade de conhecer sua Vó, lendo seu semanário, agora sei que você tem muito dela.

    Ela se foi fisicamente, mais deixou você com todo esse aprendizado.

    Eu também TE AMO viu !

    Bjs,
    Vivi

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  2. Oi Cris, (se assim me permitir chamá-la :)
    Li com bastante atenção seus semanários, e confesso, como outros amigos seus, que no primeiro o confundi
    com um seminário...hehehe...perdão, é a falta de hábito de lermos algo tão constante, franco e cotidiano
    como seus textos. Este último, em especial, mexeu comigo, tanto que ao final me emocionei. Sinto-me como
    platéia, mas uma platéia especial.
    Fico feliz em saber que transformou, a seu modo, a história de sua
    vó em um misto de carinho, atenção, perdão, paciência e acima de tudo, muito amor. Ela certamente deve ter
    partido com mais serenidade e paz. Obrigada por me fazer parte do público ouvinte de suas histórias tão bem contadas.
    Tenho lido bastante sobre o processo da escrita, em função do livro que tenho a produzir, e confesso, identifiquei
    o seu texto como um dos muitos que tenho lido ultimamente. Não descarte a possibilidade de escrever um livro!
    Seu texto flui,e os detalhes descritos nos remetem a uma realidade particular.....

    um abraço,
    Halana

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  3. Linda homenagem, amiga! Na minha agenda estava marcada essa data tão especial! A vó,onde quer que esteja, está feliz por vc, orgulhosa, viu! E eu tb! Mais um passo... ; )

    Bjo grande!!! Te amo!
    Alu

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  4. Eita menina!!!
    Que declaração de amor mais linda!!!
    Como acredito que tudo sempre é muito mais do que o aqui e agora,pode está certa que sua vó deve ter ficado satisfeita e até um pouco enciumada do esmalte vermelho,mas ridicularmente feliz com esse texto tão lindo!
    Foi uma pena não tê-la conhecido aqui na Terra,quando estivermos em outro lugar e em outro tempo tu me apresenta a ela pra ver que apelido ela vai me dar!

    Feliz Páscoa pra vc e até breve!
    Se cuida e fica com Deus!

    Bjos!!!
    Hania

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  5. Um espetáculo, querida....
    Só faltou incluir palavras como: ispicial, anarquia e formidável.


    Só mais um detalhe: baseado em que você chegou a essa provável idade. Pelo que me recordo, e muito bem, a idade daquela querida cristã sempre foi um enigma, praticamente o terceiro segredo de Fátima.

    Haroldo

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  6. Não teve como não encher meus olhos d´água pela saudade da Vó. E lembrar do comum que tínhamos de comer banana com tudo. Ah, que saudades daquele doce de mamão com coco, da sopa de feijão.
    Não sei mais o que dizer a não ser sentir uma dor no peito de angústia da morte. E de que eu nunca vou me acostumar com ela. De saber que essa doença vai atacando a galerinha querida da terceira e quarta idade.

    E me pergunto: por que a vida traz isso tudo?

    Manu

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  7. Oi, Cris !!!! SAUUUUUUDADESSSSSS !!!!

    Estou adorando seus semanários !!!!

    Milhões de BJS !!!!

    Boa Sorte e Tudo de BOOOOMMMM SEMPREEEEE !!!!

    Suzy

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  8. Minha querida prima...
    Que texto lindo, maravilhoso, emocionante, sensível!! Passou um flashback na minha memória.. lembrei da tua casa, das reuniões de família no dia do aniversário da "titia" (essa palavra é a cara da minha mãe!!! rsrs), lembrei até mesmo de alguns aniversários teu qdo criança!!! rsrs.Enfim, parabéns por ter conseguido transformar palavras em sentimentos e sei que a tia Altina está a te olhar... tenho certeza!!! Um beijão para vc com gostinho de saudade e nostalgia!!! Bjsssssss

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