Amiga-irmã, hoje sou eu quem seguro
a tua mão, na mudança de papeis que a vida nos encoraja a experimentar, sem
ensaios. Lembro-me de quando, há dez anos, você fazia o mesmo por mim, enquanto
eu me despedaçava por dentro ao ver minha amada Vó partindo. Hoje é você quem
se despede do seu amado Pai, hoje nos tornamos mais cúmplices. Eu te sinto e te
entendo. Eu te abraço como as almas que se aproximam sem nada dizer.
Fico emocionada ao saber que,
assim como eu, embora para poucos, você tenha tido a oportunidade de estar ao
lado dele, segurando a mão nos suspiros finais, na "hora sagrada"
como você mesma nomeou, que é o momento da travessia. Você pode sentir o
silêncio, o tempo parar, enquanto os anjos diziam amém e levavam seu Pai nos
braços encantados da luz.
É revelador e há uma beleza na
hora derradeira. Para quem tem a oportunidade de vivenciar essa passagem,
ficará para sempre como um momento mágico, apesar de toda dor, mesmo com tanta
saudade. Haverá gratidão pelo tempo dado, pelo tempo vivido, pelo que pode ser.
Todos deveriam ter esse direito, ter a benção de viver o instante final ao lado
dos queridos, de poder dizer com tanto amor: "siga em paz".
Com a partida do seu Pai, revivi
os meus adeus, os concretos e os imaginários, e pude perceber os adeus
simbólicos nos olhos dos outros, refletindo as próprias despedidas, muitas
ainda não realizadas. A sua dor nos perpassa e nos soma à dor global da separação,
que nos torna tão humanos, tão finitos em corpo de gente.
Caminhando ao seu lado, abraçando
seu corpo tão fragilizado naquele momento ritualístico, sinto sua emoção e me
torno una com seu movimento, torcendo para que você atravesse sem tanto pesar. Queria
poder tirar alguma carga dos seus ombros. Queria, tentei.
Fico angustiada pela hora do
“baixar o caixão”, aquela etapa em que nosso corpo vacila com o derradeiro
adeus à materialidade. Depois, só lembranças. Boas lembranças, decerto. Porque
o amor suplanta as tribulações dos momentos finais e parece resumir os desafios
naquele grande sentimento inenarrável que liga as almas em essência. O Amor.
Nas últimas flores brancas
jogadas, pude notar como caíam sobre o homem que cobria de cimento o espaço retangular.
Uma chuva de pétalas, de votos lançados por sobre o outro, que ali estava junto
ao teu, para guardar, para eternizar. Não sei quantas flores o homem de verde recebeu
naquele dia. Sei que aquelas das 14h30 tinham o orvalho do dever cumprido, do
"jamais retroceda", do "seja bem sucedida", como seu amado
costumava profetizar.
Voltar para casa é duro, eu sei.
Encarar o vazio das horas miúdas, do quarto que exala um cheiro de saudade. Não
há atalho para atravessar este mar. Queria te levar comigo para passear, para
ver a vida que chama lá fora, agora que é livre para novas escolhas.
A coruja pintada em teu corpo
deve te guiar nessa jornada de aventuras, que com certeza te espera nesse
recomeço. Que as borboletas soprem no teu estômago, lembrando de que sempre é
tempo de "sol-te", como está escrito em teu braço. Solte o que já não
te serve mais e sejas feliz!
Texto originalmente escrito para o blog da professora Dalu Menezes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário