sexta-feira, 5 de maio de 2017

Eu te Abraço


Amiga-irmã, hoje sou eu quem seguro a tua mão, na mudança de papeis que a vida nos encoraja a experimentar, sem ensaios. Lembro-me de quando, há dez anos, você fazia o mesmo por mim, enquanto eu me despedaçava por dentro ao ver minha amada Vó partindo. Hoje é você quem se despede do seu amado Pai, hoje nos tornamos mais cúmplices. Eu te sinto e te entendo. Eu te abraço como as almas que se aproximam sem nada dizer.

Fico emocionada ao saber que, assim como eu, embora para poucos, você tenha tido a oportunidade de estar ao lado dele, segurando a mão nos suspiros finais, na "hora sagrada" como você mesma nomeou, que é o momento da travessia. Você pode sentir o silêncio, o tempo parar, enquanto os anjos diziam amém e levavam seu Pai nos braços encantados da luz.

É revelador e há uma beleza na hora derradeira. Para quem tem a oportunidade de vivenciar essa passagem, ficará para sempre como um momento mágico, apesar de toda dor, mesmo com tanta saudade. Haverá gratidão pelo tempo dado, pelo tempo vivido, pelo que pode ser. Todos deveriam ter esse direito, ter a benção de viver o instante final ao lado dos queridos, de poder dizer com tanto amor: "siga em paz".

Com a partida do seu Pai, revivi os meus adeus, os concretos e os imaginários, e pude perceber os adeus simbólicos nos olhos dos outros, refletindo as próprias despedidas, muitas ainda não realizadas. A sua dor nos perpassa e nos soma à dor global da separação, que nos torna tão humanos, tão finitos em corpo de gente.

Caminhando ao seu lado, abraçando seu corpo tão fragilizado naquele momento ritualístico, sinto sua emoção e me torno una com seu movimento, torcendo para que você atravesse sem tanto pesar. Queria poder tirar alguma carga dos seus ombros. Queria, tentei.

Fico angustiada pela hora do “baixar o caixão”, aquela etapa em que nosso corpo vacila com o derradeiro adeus à materialidade. Depois, só lembranças. Boas lembranças, decerto. Porque o amor suplanta as tribulações dos momentos finais e parece resumir os desafios naquele grande sentimento inenarrável que liga as almas em essência. O Amor.

Nas últimas flores brancas jogadas, pude notar como caíam sobre o homem que cobria de cimento o espaço retangular. Uma chuva de pétalas, de votos lançados por sobre o outro, que ali estava junto ao teu, para guardar, para eternizar. Não sei quantas flores o homem de verde recebeu naquele dia. Sei que aquelas das 14h30 tinham o orvalho do dever cumprido, do "jamais retroceda", do "seja bem sucedida", como seu amado costumava profetizar.

Voltar para casa é duro, eu sei. Encarar o vazio das horas miúdas, do quarto que exala um cheiro de saudade. Não há atalho para atravessar este mar. Queria te levar comigo para passear, para ver a vida que chama lá fora, agora que é livre para novas escolhas.

A coruja pintada em teu corpo deve te guiar nessa jornada de aventuras, que com certeza te espera nesse recomeço. Que as borboletas soprem no teu estômago, lembrando de que sempre é tempo de "sol-te", como está escrito em teu braço. Solte o que já não te serve mais e sejas feliz!

Que o dente de leão sopre tua sorte para campos infinitos de descobertas gentis, aquelas possíveis nas almas de criança. Eu te abraço e digo que estou aqui, porque é isso que os amigos fazem. A cada crescer de asas, permanecem.

Texto originalmente escrito para o blog da professora Dalu Menezes.

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