terça-feira, 5 de maio de 2009

Vivendo Duas Vezes

Semana passada comecei a ler um livro muito interessante indicado por uma amiga: “Escrevendo com a Alma” de Natalie Goldberg. Essa leitura veio em boa hora, pois está casada com o meu momento de escrever.

A autora, adepta do zen-budismo há trinta anos, relaciona continuamente o ato da escrita com a meditação. Prática essa que também me cativa. Segundo Natalie “escrever significa lidar com toda a sua vida”, com esse material interno rico em experiências. Escrever significa entrar em contato com as primeiras impressões sobre as coisas, aquelas impressões cheias de frescor e inspiração que ainda não foram tolhidas pelo nosso ego. Essas idéias iniciais detêm uma energia extraordinária. São cheias de vida, verdade e sem julgamento. É quando estamos mais perto da essência das coisas.

Natalie revela ainda que os escritores vivem duas vezes, porque param, olham de novo para sua vida, repensam-na, são meio bobos. É assim que me sinto a cada texto. Toda a vida passa em flash até encontrar aquele item da prateleira que tem o ingrediente o qual preciso.

Falando em primeiras impressões, lembro claramente de quando ouvi Enya pela primeira vez. Foi um momento mágico que guardo até hoje. Acordei de manhã para caminhar com meu grande amigo. Fazíamos isso de forma rotineira, na busca de equilibrar corpo e saúde. Após nosso percurso tradicional, passamos por sua casa e entramos para acalmar a sede. Sentamos na sala para as nossas conversas profundas e amenas, as quais costumávamos ter a perder de vista as horas. Tenho muita saudade desse tempo. Refletíamos sobre a vida com leveza e ânimo. Era divertido e trazia cumplicidade.

Então, meu amigo disse que ia me mostrar um CD que acabara de comprar e que certamente eu gostaria muito. Falou ainda que a música era coisa de outro mundo. Bastaria eu escutar. Segui tranqüila à espera daquele alumbramento. Não podia crer que era essa cocada toda que ele falava, pois em nossa juventude tínhamos o excesso no encalço. Sorridente, vi-o apertar o play.

Aos primeiros sons lembro que fui paralisando. Aquilo era diferente de tudo que já tinha ouvido até ali. A música era serena, vasta e tocante. Nossos olhares se cruzaram e ele entendeu que eu também estava chocada. Pensei em falar, mas palavras diminuiriam aquela primeira vez. Larguei-me na poltrona e fechei os olhos. Permaneci imóvel para não afetar nenhum detalhe. A música entrava por todos os poros, gerando uma energia gostosa de satisfação, êxtase e tranqüilidade. Senti meu corpo expandir e o mundo ficar mais possível e simples. Meu coração acelerou com o aumento do ritmo e parecia que não ia mais caber no meu peito. O som varria toda a casa, o quarteirão, o bairro, alcançava toda a cidade. Virava um cogumelo de luz, juntando todas as coisas em ondas de calor e vento. Senti vontade de chorar porque era algo novo, lindo e ao alcance.

Ouvimos uma, duas, três, quatro músicas. Eu estava estupefata! Como podia existir no mundo tal melodia?! Éramos tão novos e aquelas músicas aquietavam nossa alma urgente. Eu me arrepiava e os olhos enchiam d’água. Calei porque a certeza do que ouvia era mais forte que qualquer argumento. Eu e meu amigo participamos juntos daquela descoberta perfeita. Havia sintonia e liberdade para sentir. Enxerguei-me um pouco mais pura naquele momento. A partir dali passei a admirar a mulher, quase lenda, meio bruxa, um mistério, chamada Enya.


Guardo viva essa lembrança porque, além de prazerosa, faz reviver a disponibilidade em abrir-me para o novo. Lembro-me da primeira vez que provei pudim, senti estranheza e sabor. Recordo do meu primeiro velocípede, da primeira vez que andei de trem, do meu primeiro animal de estimação (era um pinto, acredita!), do meu primeiro beijo que causou alvoroço nos amigos.

As primeiras impressões são cheias de vida, verdade e sem julgamento. É quando estamos mais perto da essência das coisas. Parece que um sino toca dentro de mim, uma energia vibra e faz cócegas. Dá uma vontade louca de sair correndo, de braços abertos, tentando abarcar o ar que passa. Nessa hora só existe esse momento que é imenso, não cabe em letras nem cores, é iluminado e único, e me faz ser mais gente de novo.

6 comentários:

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  2. Hum... redescobrir a vida pelas próprias letras... passear nas lembranças fazendo limpeza na biblioteca mental e rearquivando as boas lembranças... escrever é uma terapia que nos faz lembrar o que a nossa consciência esqueceu... me lembro a primeira vez que escutei "enya": comprei uma leva de cds do Music Club (que pena não existir mais) para me associar, e os cds da enya estavam lá bem baratinhos... rsrs ... depois veio a intensa "lorena" apresentada por uma amiga... "era". eu estava em busca de mais músicas do mesmo tipo... a primeira vez que acendi um incenso... ihh, em algumas dessas andanças minhas em busca do outro mundo em alguma seita oriental, lojas alternativas... lembro de ter experimentado cada pedaço do outro mundo com seres diferentes, que me passaram o seu pedaço e cada pedaço construiu um todo que se funde em momentos de trocas de conhecimento sobre tal assunto. hum... como é bom meditar...

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  3. Puxa, Cris!!!

    Que interessante!!! Achei excelentes os seus textos e acho que vc deve investir nessa sua carreira de escritora!
    Vc tem meu apoio, amiga. :=) Aliás, sempre teve. Estou muito feliz com seu avanço/crescimento profissional.

    kkkkkkkkkkkkkkkkkk
    Bjs.

    Joseane

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  4. Hummmmmmmmmmmmm...
    Pena que temos tanto receio em experimentar o novo.E vamos repetindo padrões antigos sem nos darmos conta!
    Viva as descobertas!!!
    Todas!!!
    Todas!!!
    Todas!!!

    Bjos!
    Hania

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  5. Cris, quanto tempo... e que alegria saber que você tem dedicado tempo pra escrever! Falo assim porque sei do grande potencial de contribuição que você tem a dar ao mundo (ao meu em particular, nem se fala!)desenvolvendo essa arte. Nossa! Sem falar do seu próprio crescimento pessoal, meu Deus... Um grande amigo me dizia que escrever ajudava a libertá-lo de seus seus demônios interiores, e creio ser verdade. Digo isso porque tentei começar nesse negócio, mas fui fraco, não persisti... e mesmo assim valeu a pena!
    Cris, quase chorei quando vc disse de sua emoção ao ouvir a Ênia: "Senti... o mundo ficar mais possível e simples." Ah Cris, como precisamos disso, né?! Dessa leveza... Ah, vou parar! Escrevo muito assim de felicidade e de saudade, liga não. Parabéns, minha antiga e sempre nova amiga. Penso em passar mais vezes por aqui. Bjo.

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