sexta-feira, 18 de novembro de 2016

A arte de chupar mangas

Lembro-me de uma vez que eu e meu amigo, escudeiro de infância, fizemos um campeonato para ver quem comia mais manguitas. Aqueles frutos pequenos e azedinhos, que a gente amassa e morde só a pontinha para sugar toda a polpa. Na época, cada um passou de dez manguitas. Era à tarde, e a mangueira do quintal lá de casa dava uma sombra fresquinha. 

Venho de uma família que chupa mangas. Minha vó, mãe, pai, tios, todos chupavam e ainda chupam mangas. Coité, espada, jasmim, rosa, tommy, bourbon, todas têm seu valor. Espada era a preferida da minha Avó e coité a do meu Avô. Eu ainda gosto mais das menores, dá para comer várias.

Cortar a manga de garfo e faca aqui não tem lugar. A arte de chupar mangas requer envolvimento e coragem. Sabe aquele espírito livre, que suja as mãos e se enche de fios entre os dentes? Que se lambuza roendo até o caroço? Pessoas assim, dispostas a chupar mangas, definitivamente não têm medo do ridículo e saboreiam a vida lambendo os beiços. 

Nem todas as mangas caem do pé, é verdade. Algumas há que colhê-las. Mas na minha visão, onde há mangueiras, há sempre prosperidade. Imagine o pé carregado, umas maduras, outras verdes, convidativas, se exibindo frutíferas e ricas. Um primor.

Um bom pé de manga nos acorda para a generosidade da vida. O balde cheio nos lembra como é bom compartilhar. Dezembro traz esse clima coletivo, é a safra da manga. Minha mãe tem aparecido mais vezes, com baldes cheios da fruta. A geladeira repleta, cheirosa, traz uma sensação de riqueza e saúde.

Adoro levar mangas para os amigos. Uma delicadeza que satisfaz meu espírito criança. Imagino todos eles de mãos amarelas, com o suco esparramando pelo prato, escorrendo pelo braço, colorindo a alma.  

No mundo, já foram reconhecidas mais de 1.600 variedades da fruta. Haja sabor! A India é o habitat natural e a manga teria chegado ao Brasil pelas mãos dos portugueses. O fato é que já somos um dos maiores produtores no mundo, levando essa delícia a barrigas alheias.

A mangueira frondosa lá de casa, quando eu era pequena, provocava aconchego e segurança. Bastava ir lá no quintal e olhar para cima, ver o céu tapado de folhas, respirar o ventinho que corria pelas brechas dos galhos. Pronto, estava tudo explicado para mundo criança.

Hoje não há mais a casa, nem a mangueira e os outros pés de fruta, plantados pelas mãos milagrosas de minha Avó. Mas essa época me vem facilmente à memória, com as mangas que chegam pelas mãos de minha mãe.

Chupar mangas é uma surpresa. A gente se suja, perde a preguiça, esconde o medo, derruba o caroço, fica sem jeito, dribla as regras. E saboreia a vida de boca cheia.


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