Lembro-me de uma vez que eu e meu
amigo, escudeiro de infância, fizemos um campeonato para ver quem comia mais
manguitas. Aqueles frutos pequenos e azedinhos, que a gente amassa e morde só a
pontinha para sugar toda a polpa. Na época, cada um passou de dez manguitas.
Era à tarde, e a mangueira do quintal lá de casa dava uma sombra fresquinha.
Venho de uma família que chupa
mangas. Minha vó, mãe, pai, tios, todos chupavam e ainda chupam mangas. Coité,
espada, jasmim, rosa, tommy, bourbon, todas têm seu valor. Espada era a
preferida da minha Avó e coité a do meu Avô. Eu ainda gosto mais das menores, dá
para comer várias.
Cortar a manga de garfo e faca
aqui não tem lugar. A arte de chupar mangas requer envolvimento e coragem. Sabe
aquele espírito livre, que suja as mãos e se enche de fios entre os dentes? Que
se lambuza roendo até o caroço? Pessoas assim, dispostas a chupar mangas, definitivamente
não têm medo do ridículo e saboreiam a vida lambendo os beiços.
Nem todas as mangas caem do pé, é
verdade. Algumas há que colhê-las. Mas na minha visão, onde há mangueiras, há sempre
prosperidade. Imagine o pé carregado, umas maduras, outras verdes,
convidativas, se exibindo frutíferas e ricas. Um primor.
Um bom pé de manga nos acorda
para a generosidade da vida. O balde cheio nos lembra como é bom compartilhar. Dezembro
traz esse clima coletivo, é a safra da manga. Minha mãe tem aparecido mais
vezes, com baldes cheios da fruta. A geladeira repleta, cheirosa, traz uma
sensação de riqueza e saúde.
Adoro levar mangas para os
amigos. Uma delicadeza que satisfaz meu espírito criança. Imagino todos eles de
mãos amarelas, com o suco esparramando pelo prato, escorrendo pelo braço,
colorindo a alma.
No mundo, já foram reconhecidas
mais de 1.600 variedades da fruta. Haja sabor! A India é o habitat natural e a
manga teria chegado ao Brasil pelas mãos dos portugueses. O fato é que já somos
um dos maiores produtores no mundo, levando essa delícia a barrigas alheias.
A mangueira frondosa lá de casa,
quando eu era pequena, provocava aconchego e segurança. Bastava ir lá no
quintal e olhar para cima, ver o céu tapado de folhas, respirar o ventinho que
corria pelas brechas dos galhos. Pronto, estava tudo explicado para mundo
criança.
Hoje não há mais a casa, nem a
mangueira e os outros pés de fruta, plantados pelas mãos milagrosas de minha
Avó. Mas essa época me vem facilmente à memória, com as mangas que chegam pelas
mãos de minha mãe.
Chupar mangas é uma surpresa. A
gente se suja, perde a preguiça, esconde o medo, derruba o caroço, fica sem
jeito, dribla as regras. E saboreia a vida de boca cheia.
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