Outra noite, um amigo nos dava
conselho sobre um trabalho: “Façam com a alma”. Uma rica sugestão, diria, que
se estende para as decisões afora o âmbito profissional. Optar por aquilo que
faz o coração vibrar traz mais sabor e temperatura à vida. É atraente e
furtivo. Mas desde então, a pergunta não me sai da cabeça: “Por onde anda minha
alma?”
Reunir mente, corpo e alma em um
só lugar não é tarefa simples. Em geral, nosso corpo samba aos quatro ventos,
enquanto a mente vagueia entre o passado e o futuro e a alma navega marota por
águas indomáveis. As três ilustres juntas, ah isso é pura magia! Ou poderia se
chamar presença.
Quem não passou por isso? O corpo
chegou ao trabalho, mas a mente ficou lá na cama, convidativa, quentinha,
espalhada entre travesseiros e edredom. Você vai passear, mas esqueceu de levar
a alma junto, e o tédio não é mais uma novidade. O corpo, este faz as vias
necessárias para garantir sua agenda, afinal há compromissos. Já a alma, essa é
fugaz, incapsulável. E o que dizer da mente? Espécime escorregadia que, de vez
em quando, se exibe para nos trazer à realidade.
Ambiciosas, a mente costuma
projetar ao passo que a alma sonha com o impossível, aquilo que o corpo ainda
não alcançou. Fica então uma ranhura. Se desejam algo diferente, há um
esvaziamento, ou uma tensão. É necessário iniciar um conluio, uma negociação
travessa. Enquanto isso o corpo espera, ou então adoece, o que não é incomum.
É difícil admitir quando não
vibramos mais com algo. O que fazer? Assumimos uma derrota? Mas há luto ali,
não se pode negar. Uma luta também, porque deixar o desejo fugir, cabe um
desapego. Estava tudo tão certo, sossegado… Agora falta ar naquele espaço onde
as dúvidas ocupam mudas.
Sabe quando o incômodo grita
pelas manhãs, e você procura silenciar mente e corpo? Quer dizer para a alma
não se rebelar àquela hora do dia, mas ela decide ter luz própria. Há turnos
que são assim e a gente atravessa fácil. Outros, no entanto, trazem um cansaço,
vontade de se render e acomodar.
E sobre o que meu amigo vinha
aconselhando lá no começo, fazer com a alma? Dia desses minha alma deu o ar da
graça. Tentei convencê-la a ficar, mas a criatura não se seduziu. Pediu por
conquista e eu nada pude prometer. Não pude garantir que andaria de mãos dadas
com o corpo, ou que teria horário livre com a mente. Estes são afoitos e
volúveis. Não há controle.
Para marcar um encontro com a
alma, há que se ter paciência e atrevimento. Namoro à distância, sem falsas
promessas, porque ela é matreira. Sabe antes de nós o que acelera o peito. A
tal sugestão de “fazer com a alma” é uma atitude de entrega e inocência. Uma
conexão com nossos talentos, com aquilo que oferecemos para tornar o mundo
melhor. Já se pode ver que a figura é mesmo ilustre, essa dita cuja.
Da última vez que minha alma me
fez uma visitinha mais demorada, tomamos café (algo que fazemos bem), papeamos
sobre sonhos e curvas. A mente puxou uma cadeira, se interessou, mas de pé
atrás (como é de costume), cortou o pão pela metade e nos ponderou. Disse que
os tempos não estão para brincadeira. O corpo bateu à porta, sempre chega
assim, inadvertido. Pediu uma xícara e comeu bolo com leite.
Animados, marcamos outra rodinha
de conversa, a qualquer domingo. Pode ser, foi ótimo, sabe como é… Quem virá?
Nunca sei. Mas já deixo a postos uma mesa e um bloco de notas. Dicas valiosas
vêm com esses encontros surpresas. Naquela tarde, ficamos nós quatro e uma
longa conversa, saboreando pão, café e possibilidades.
Texto originalmente escrito para a coluna do blog Repórter Entre Linhas.
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