Zapeando pela TV a cabo, parei
nas clássicas caretas de Jim Carrey. Quando me dei conta, lá estava eu
novamente assistindo a “O Mentiroso”. Conhece? Filme em que o ator exerce seus
malabarismos faciais (quase “O Máskara”) ao perceber que não consegue mais
mentir. Impossibilitado graças ao pedido feito silenciosamente pelo filho, frustrado
pela constante ausência do pai, desta vez em sua festa de aniversário.
A película sucede com Carrey
entrando em frias e também se surpreendendo com as vantagens de não mentir, por
tudo e para todos. Ele, que encena um advogado não muito distante da nossa
realidade, acredita que tirar vantagem em cada ocasião o faz espertalhão e bem
sucedido.
Quando descobre que seus apuros
se devem ao desejo de aniversário do filho, Carrey explica ao pequeno: “Às
vezes os adultos precisam mentir. Não sei explicar o porquê. Ninguém sobrevive
no mundo adulto sem mentir. Eu tenho que mentir, todo mundo mente”. Ao que o
garoto responde sem pestanejar: “Mas é isso que faz você ficar mal”.
O diálogo entre pai e filho fez
eu me questionar sobre o que aconteceria se todos falássemos apenas a verdade. O
caos se instalaria? Viveríamos no mundo apocalíptico? Fui às compras por
respostas de amigos e família.
Uma prima otimista diz que quando
você fala a verdade todo problema fica do tamanho que realmente é, “nem fica
maior, nem menor”. Uma amiga engrossa o coro e defende tudo com
transparência. “A verdade é a transmissão da confiança. Com ela tudo permeia
tranquilamente. Se todos falássemos a verdade, as pessoas se entenderiam
melhor, tudo teria uma condução mais positiva”.
Por outro lado, amigos da estrada
do autoconhecimento entendem ser impossível falar só a verdade. “É da própria
condição humana essa limitação. E não falar a verdade não significa a mentira
consciente, mas a própria incapacidade de perceber as coisas como elas são, ou
as defesas psíquicas que existem para nos poupar.”, explica uma amiga
terapeuta.
As mentiras exigem defesa,
esforço e memória, destaca o outro amigo, também terapeuta. Este entende que
falar a verdade não significa uma verborragia confessional de tudo o que se faz.
“Isso seria culpa”, diz ele relatando que há uns 15 anos decidiu simplificar a
vida e falar a verdade. “Venho alinhando com esta prática, experimentando ser
contraditório, volúvel e até incoerente, pois sou verdadeiro com o momento. Uma
coisa é verdade, uma hora depois não é mais”.
Transparência, apocalipse,
contradição, confiança, palavras que transitam pelo nosso lá e cá diante da verdade
e das pequenas-grandes mentiras que (nos) contamos. “Ah, depois eu mando!”, “A
gente se fala.”, “Sim, combinamos um dia? Vamos mesmo!”. Para dizer apenas
algumas desculpas que damos pelo caminho, a fim de não polemizar com a crueza
do que de fato sentimos.
“Não amigo, estou sem tempo e
acredito que não nos veremos tão cedo”. “Sinto muito, mas dessa vez não dá,
porque não estou com vontade nem disposição de te visitar”. “Preciso de um
tempo para arejar as ideias e descansar o corpo”. “Isso é mais do que eu posso
suportar”. “Eu te agradeço, mas não quero continuar a partir daqui”. São muitos
“não” e “sim” que deixamos de dizer em nome da conveniência e da boa educação.
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