quarta-feira, 14 de setembro de 2016

O que aconteceria se só falássemos a verdade?

Zapeando pela TV a cabo, parei nas clássicas caretas de Jim Carrey. Quando me dei conta, lá estava eu novamente assistindo a “O Mentiroso”. Conhece? Filme em que o ator exerce seus malabarismos faciais (quase “O Máskara”) ao perceber que não consegue mais mentir. Impossibilitado graças ao pedido feito silenciosamente pelo filho, frustrado pela constante ausência do pai, desta vez em sua festa de aniversário.

A película sucede com Carrey entrando em frias e também se surpreendendo com as vantagens de não mentir, por tudo e para todos. Ele, que encena um advogado não muito distante da nossa realidade, acredita que tirar vantagem em cada ocasião o faz espertalhão e bem sucedido.

Quando descobre que seus apuros se devem ao desejo de aniversário do filho, Carrey explica ao pequeno: “Às vezes os adultos precisam mentir. Não sei explicar o porquê. Ninguém sobrevive no mundo adulto sem mentir. Eu tenho que mentir, todo mundo mente”. Ao que o garoto responde sem pestanejar: “Mas é isso que faz você ficar mal”.

O diálogo entre pai e filho fez eu me questionar sobre o que aconteceria se todos falássemos apenas a verdade. O caos se instalaria? Viveríamos no mundo apocalíptico? Fui às compras por respostas de amigos e família.

Uma prima otimista diz que quando você fala a verdade todo problema fica do tamanho que realmente é, “nem fica maior, nem menor”. Uma amiga engrossa o coro e defende tudo com transparência. “A verdade é a transmissão da confiança. Com ela tudo permeia tranquilamente. Se todos falássemos a verdade, as pessoas se entenderiam melhor, tudo teria uma condução mais positiva”.

Por outro lado, amigos da estrada do autoconhecimento entendem ser impossível falar só a verdade. “É da própria condição humana essa limitação. E não falar a verdade não significa a mentira consciente, mas a própria incapacidade de perceber as coisas como elas são, ou as defesas psíquicas que existem para nos poupar.”, explica uma amiga terapeuta.

As mentiras exigem defesa, esforço e memória, destaca o outro amigo, também terapeuta. Este entende que falar a verdade não significa uma verborragia confessional de tudo o que se faz. “Isso seria culpa”, diz ele relatando que há uns 15 anos decidiu simplificar a vida e falar a verdade. “Venho alinhando com esta prática, experimentando ser contraditório, volúvel e até incoerente, pois sou verdadeiro com o momento. Uma coisa é verdade, uma hora depois não é mais”.

Transparência, apocalipse, contradição, confiança, palavras que transitam pelo nosso lá e cá diante da verdade e das pequenas-grandes mentiras que (nos) contamos. “Ah, depois eu mando!”, “A gente se fala.”, “Sim, combinamos um dia? Vamos mesmo!”. Para dizer apenas algumas desculpas que damos pelo caminho, a fim de não polemizar com a crueza do que de fato sentimos.

“Não amigo, estou sem tempo e acredito que não nos veremos tão cedo”. “Sinto muito, mas dessa vez não dá, porque não estou com vontade nem disposição de te visitar”. “Preciso de um tempo para arejar as ideias e descansar o corpo”. “Isso é mais do que eu posso suportar”. “Eu te agradeço, mas não quero continuar a partir daqui”. São muitos “não” e “sim” que deixamos de dizer em nome da conveniência e da boa educação.

Pode ser que o mundo se torne mais leve se falemos mais a verdade. As relações passarão por uma zona turbulenta no começo e alguns cacos serão difíceis de remendar. Sobreviver à verdade requer fôlego. Antes ela surge como um furacão até se tornar brisa, porque acreditamos no que Jim Carrey declara – “Ninguém sobrevive no mundo adulto sem mentir.” Mas podemos ir adiante. Além do bonzinho ou do ríspido, existe nossa verdade interior, que está sempre pedindo passagem.

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