quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Nosso mundo peculiar

Outra noite assisti ao “Lar das Crianças Peculiares”, adaptação de Tim Burton do livro “O Orfanato da Srta Peregrine para Crianças Peculiares”, de Ransom Riggs. Antes mesmo de começar a aventura, reparei na quantidade de trailers sobre magia, poderes especiais, realismo fantástico. Pelo menos três filmes nesse estilo serão lançados em breve. Gosto dessa linha de roteiro, mas me perguntei o que tem nos atraído tanto para esse universo inventado. Será que estamos cansando da nossa humanidade? A vida singular já não nos basta?

Após varinhas, poções e feitiços, começou a película. O Diretor de “Edward Mãos de Tesoura”, “A Fantástica Fábrica de Chocolate” e “Alice no País das Maravilhas” explorou uma fotografia escura, cenas sombrias e violentas, como de costume. Por ser um filme de Tim Burton, eu já esperava o enredo exótico dos personagens, onde a imaginação tem som, cor e textura.

A história se desenrola com a guardiã das crianças, Srta. Peregrine, criando uma fenda temporal para o lar dos pequenos órfãos com dons especiais. Era a forma de proteção contra o universo das pessoas “normais”, onde bizarrices como a perseguição aos diferentes é algo banal. Para evitar a ruína da mansão, que seria atingida por um míssil durante a Segunda Guerra Mundial, Srta. Peregrine reinicia o relógio a cada 24h. A sobrevivência dependia, portanto, de ficarem ali, presos no tempo, revivendo as últimas horas como um ritual. Algo não muito distante do que vivemos hoje.

No decorrer da trama, me peguei pensando sobre a nossa impossibilidade de voltar no tempo, de mudar o passado, que está lá, em cartaz na memória. Algumas cenas voltam se exibindo, podemos pensar no que faríamos de diferente, mas não há retorno, o tempo não nos dá carona. Mas se tivéssemos esse poder, o que faríamos? Escolheríamos a segurança da rotina ou o risco do desconhecido?

Vaguei por aquele mundo peculiar do filme, perguntando também se temos poderes especiais, se nossa crueza ainda assim permite o extraordinário. E me recordo dos momentos sublimes que saboreamos com um gesto generoso, com um toque de afeto, das intensas emoções que experimentamos quando acionado aquele super efeito, como é mesmo o nome, ah sim, o da empatia. É, pode ter algo de mágico em nós.

Amigos me lembram ainda que o tempo pode sim parar. Ora, veja que fascinante, seria mais um poder? A depender da emoção vivida à época, há momentos que duram uma eternidade e outros passam num piscar. Parece que temos mesmo essa capacidade de segurar o tempo no coração.

No filme, o protagonista tem o dom de ver o invisível, de enxergar ameaças quando os demais correm perigo sem se dar conta. E não é que conheço gente assim! Pessoas de visão, que percebem o ambiente, os problemas e as oportunidades, antes de todos. Fantástico e real!

Da fala de uma outra personagem, escuto o melhor eco da história. A moça de cabelos louros e pele opaca diz: “Não precisamos que nos faça sentir segurança. Nos fez sentir corajosos e isso é muito melhor.”. Segurança ou coragem? Dúvida cruel nessa era de incerteza, onde arriscar ainda é um talento de poucos, é verdade.

É, nossa humanidade pode ser mesmo peculiar. E, às vezes, nem precisamos usar a varinha de condão para criar o surpreendente. Em todo caso, é bom tê-la sempre no bolso, vai que precisamos numa emergência.


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