sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Performance de potinho

Estava lá de calças baixas quando a atendente bate à porta: “Senhor, senhor, seu troco.”. “Poxa, justo quando eu estava finalmente relaxando.”, reclama o sujeito em voz baixa. Poderia ser mais uma cena de “Os Normais”, mas é um episódio daqueles mesmos de comédia da vida privada. Foi por essa situação que passou meu amigo (e muitos homens) ao fazer aquele exame do potinho.

Era uma manhã de sol ardido quando o dito cujo se dirigiu ao laboratório, com a nobre tarefa de encher o recipiente com o líquido viscoso. “Fiquei angustiado, extremamente nervoso.”, desabafa explicando não ter tido a mínima coragem de encarar os que aguardavam na sala para outros exames. “Todos ali sabiam. ‘Lá vai ele para a sem vergonhice.’. Eu podia ouvir os pensamentos.”.

As instruções seguintes vieram precisas. No tom do telemarketing, a atendente disse: “O senhor assina esse papel logo, porque todos esquecem. Esse é o potinho e o senhor coloca o conteúdo diretamente dentro, sem tocar com as mãos. Quando terminar, tampe, ponha aqui em cima e deixe a porta aberta que a gente vai saber que o senhor já saiu.” E ainda confortou: “Fique à vontade, tranque a porta e não se preocupe com nada. Tenha um ótimo exame.”.

Ao ouvir a história do meu amigo, penso nas instruções das aeromoças, com aquela voz sexy e nasalada: “Favor desatar o cinto. Nas laterais estão as saídas de emergência. Em caso de despressurização, máscaras cairão. Tenha um ótimo voo.”. Confesso que o riso afrouxou com essa aventura, mas pelo tom da narrativa, percebi que nem só as mulheres passam pelos vexames das pesquisas pélvicas.

Além do terror da autoperformance, existe também o medo pelo desempenho dos terceiros, aqueles pequenos travessos, os amigos espermatozoides. Serão checados indo e vindo, em todas as direções, quase pelo avesso. Medirão o volume, a motilidade, a concentração e a morfologia. Analisados sob todos os ângulos, convertem o tal homem com H àquele ínfimo reservatório com líquido branco, que determinará se a criatura tem ou não aptidão para a vida.

E o causo do amigo continua. Sem isolamento acústico, nem revistas ou vídeos estimulantes, o indivíduo se viu sem aparato técnico para a imersão. As vozes do exterior eram animadoras. "Ô exame da peste!”, desabafou um companheiro na sala ao lado, sem notar que alguém lhe era solidário. “Mulher, meu filho tá doente em casa, com diarreia.”, cochichou uma das atendentes no corredor.

”Tudo por um filho.”, suspira esse meu amigo recordando a epopeia. O resultado deu normal, a questão é com a esposa. Sobrou para ela, como sobra para tantas outras que também se reviram pelo avesso, levam os hormônios à loucura, injetam inúmeros medicamentos, coletam óvulos e percorrem uma longa estrada em busca de um filho. Êxito nem sempre alcançado, via crúcis que não se submete às regras da natureza fácil.

Sobrou para a mulher e também para o bolso, que já começa a custear a promessa do rebento.  Um projeto apenas, porque para vingar, dizem, ainda é um longo processo. Planos, tentativas, homens e mulheres que seguem, mesmo sob relutâncias, porque o sonho, esse não cabe em potinhos.

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