Hoje faz dez anos que minha Vó
materna se foi. Dona Altina. Confesso que a saudade não diminuiu com o tempo,
que sempre me mostra a força desta mulher para além da vida. Tenho
experimentado bonanças pela generosidade da minha amada vozinha, quando as
pessoas relatam que fazem algo por mim como uma forma de agradecer o que tempos atrás minha Vó fez por elas. É mais uma prova de que Dona Altina continua
a me abençoar.
De todas as coisas de quem se
vai, entre as que ficam, costumo dizer que o cheiro é uma das mais marcantes. Em
diversas ocasiões, sinto seu perfume vindo como uma leve brisa me arejando.
Floratta, uma fragrância com a qual se banhava e que hoje personifica sua presença
ao meu lado dizendo “Tenha calma minha filha, eu estou aqui.”. Nessas horas,
respiro profundo, fecho os olhos e agradeço o sinal, porque sei que ela está a me
proteger e guiar.
Dona Altina era minha base de
vida. Foi pai, mãe, avó, babá, médica, professora e, nos seus anos finais,
minha filha. Período que a vida me desafiou e me convocou a ser forte, a amadurecer.
Tirei pontos, apliquei injeção, regulei oxigênio, fiz comida enteral, cuidei de
escaras e mais um monte de testes que quem passou por este caminho conhece bem.
Meu coração muitas vezes queria
trocar de lugar com minha Vó, para que o sofrimento dela cessasse. Mas eu não
tinha esse poder. Foi penoso e mortificante acompanhá-la em cirurgias,
recuperação, quedas, transfusões, balão de oxigênio, sonda para se alimentar e
finalmente o Alzheimer. Nome estranho que eu, aos vinte e poucos anos de idade,
mal compreendia.
Eu não sabia o que sei hoje, não
entendia que a tal doença tem fases, que o corpo vai parando, que o olhar vai
ficando opaco e a memória dorme presa na infância. Me lembro de episódios (já
eram sinais) que nos faziam rir, mas já era doloroso para ela perder a rédea
dos dias. Passava horas tentando lembrar o nome de alguma celebridade, não
sabia o que tinha comido mais cedo, perdia a chave do guarda-roupa de forma
cotidiana e dizia que tinham roubado seu dinheiro, quando ela mesma havia
escondido tão bem, só não lembrava onde. “Achei, minha filha, mas olha!”.
Um dia, quando ela ainda falava
de forma mais clara, me perguntou como seria morrer, porque tinha medo durante
as agonias matinais. Eu engoli seco e tentei passar uma tranquilidade, mesmo
que por dentro doesse. Expliquei que seria uma transição e que sua mãe, filho e
irmãos já falecidos estariam ali, apoiando sua travessia. Falei que ela veria
luz e não teria medo. Sinto que acreditava.
Lembro dos grandes aprendizados
que tivemos juntas, como abraçar e dizer um simples eu te amo. Uma novidade
para nós duas, que não recebemos tais ensinamentos de nossas mães. A vida nos
confrontava com uma oportunidade – expressar o amor. Afinal, só tínhamos uma à
outra, na rotina de colégio, casa, hospital, casa, colégio.
Hoje eu escrevo esse texto Vó
como mais uma forma de expressar esse amor e te agradecer por tudo, mesmo as
horas de silêncio e aquele olhar sério de quem não aprovava minha rebeldia
adolescente. Eu brincava para te dar mais alegria, colocava música para animar
o ambiente e celebrava com um almoço em família seu aniversário, para te dizer
que a vida deve ser comemorada como uma vitória. Sempre que atravessamos o dia,
mais um ano, nós vencemos.
Agora vejo seu santinho, que
guardo no Evangelho, indicando 17.12.2006, ilustrado com a foto 3x4 que tiramos
juntas. Lembra aquela tarde, quando vestiu sua roupa favorita e fomos a Abafilm? Nunca pensei que seria sua imagem de santinho e que o traje iria com a
senhora na estrutura de madeira.
Recordo sempre do nosso último
momento, no hospital, quando partiu na hora do Angelus. Enquanto minha amiga
lia o Evangelho, a senhora deu os três suspiros da velha música, e eu parecia
vê-la sendo recebida por pessoas queridas, sendo amparada após sua longa
jornada de dedicação aos outros aqui na terra.
Recordo mais: suas expressões típicas
- “cara lisa”, “ispicial”, “qualistria”; sua marca registrada - o doce de
mamão, o bolo Luís Felipe favorito, o sorvete preferido sabor napolitano e a
banana assada com canela, que tanto adorava. Ah Vó, “Escolinha do Professor
Raimundo” está sendo reprisada, aliás, está com novos atores. Quem sabe a
senhora encontra o Chico Anysio por aí, que tanto a alegrava por aqui! Ele
também já se foi. De repente, batem um papo camarada e a senhora solta a frase
que tanto gosto - “Ow beleza!”.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirQue lindo minha prima! Emocionante e recheado de amor, muito amor... o tempo passa tão rápido e parece que foi ontem... lembro demais... doces lembranças... como lembro da tia Altina... mas sei que ela está ao lado de Deus junto com aqueles que também estão e ela tanto amo... bjos prima!
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