“Você sempre faz o que é esperado
de você?” Ouvi esse questionamento em um sábado à tarde, no curso de mídias
sociais. Fiquei um tempo a refletir, mas minha resposta veio rápida. – “Sim!” –
conversei mentalmente. “Que pena!”. Foi o comentário do instrutor. “Onde está o
elemento surpresa na sua vida?”. Era depois do almoço e eu levaria dali bem
mais do que aulas sobre facebook e instagram.
E seu eu pudesse ser outra dentro
de mim? Há espaço para mais? Fiquei a semana martelando a ideia e me lembrei da
dinâmica do sapato. Conhece? Um exercício que nos força a trocar os sapatos com
alguém para buscarmos a empatia por aquela luta, a vida que não a nossa. Tenho
pensado sobre essa proposta - Experimentar outros calçados, novas vestes de
mim.
Se você é daqueles que, como eu,
costuma organizar tudo (inclusive a vida do fulano, às vezes quando ele nem
pede), sabe o peso que é ser a juíza; pessoa que coordena, cobra, contemporiza
as divergências, faz check lists e procura encaixar as rotinas nos afazeres.
Outro dia me chamaram de general. O apelido não é novo. Uma faceta que
persiste, apesar dos desapegos da velha estrada. Descaminhos.
Só que a general quer sair de
férias. Cansou de ser a memória, a secretária e o despertador dos beltranos. Quer
calçar a sandália do rebelde, usar os óculos do louco e ver o mundo de ponta
cabeça. Vê se pode! Dizem que é libertador e ninguém morre com isso.
Mas ela sabe que não é fácil deixar
de bater o ponto de uma hora para outra, pois tem o hábito de encaixotar os
dias, busca praticidade. No afã de organizar, acaba bagunçando tudo por dentro e
ecoa um ruído lá fora. Dimensionou errado. O oceano não cabe numa taça.
A general não quer mais louça
suja pesando nos ombros, nem se afetar com roupa jogada gritando "me
arruma". “Que vá sozinha para o cesto. Essa guerra não me pertence”, avisou
completando que precisava de folga.
Dia desses ameaçou pedir as
contas. Esbravejou, vejam só. “Que os copos molhados se acumulem, que a mesa
receba arranjos, papéis amassados e moedas. Preciso de descanso!”. Deu de
ombros e me deixou falando sozinha, enquanto eu teimava em alocar um material
na estante.
Desde esse episódio, a vida anda
descarrilhada. A general sumiu. Só espero que não apareça de surpresa se eu entrar
numa casa bagunçada, ou venha me incomodar pela sujeira dos outros, obcecada
com fios de cabelos espalhados pelo chão. “Dos meus pelos cuido eu, o resto que
se descabele!”, direi a ela.
Se o prazo não for cumprido, por
favor, não conte a general. Fiz o meu melhor e me recuso a adoecer de culpa. Afinal,
o trabalho é cooperação, então só pegarei a minha fatia desse bolo. O tempo,
precioso, tem me assobiado.
A general passeando e o relógio emudeceu.
Agora, pequenos gestos vêm roubando lágrimas. Quanta ousadia! São as delicadezas
diárias que tornam a gente mais gente. Uma mensagem surpresa no meio da tarde, pipoca
à noite sem motivo, abraço sem planos, um café sem avisar. Há muita poesia a
ser apreciada.
O ano vai virar e os meses trazem
metas, desafios. Bom sentir esses apuros e sorver a vida aos goles largos de
uma sede longa. Para 2017, no entanto, o objetivo é não ter regras. Pretendo dar
uma longa licença a general. E se for preciso, quebrarei pratos, para lembrar
que dentro a gente é água.
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