quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Outras vestes


“Você sempre faz o que é esperado de você?” Ouvi esse questionamento em um sábado à tarde, no curso de mídias sociais. Fiquei um tempo a refletir, mas minha resposta veio rápida. – “Sim!” – conversei mentalmente. “Que pena!”. Foi o comentário do instrutor. “Onde está o elemento surpresa na sua vida?”. Era depois do almoço e eu levaria dali bem mais do que aulas sobre facebook e instagram.

E seu eu pudesse ser outra dentro de mim? Há espaço para mais? Fiquei a semana martelando a ideia e me lembrei da dinâmica do sapato. Conhece? Um exercício que nos força a trocar os sapatos com alguém para buscarmos a empatia por aquela luta, a vida que não a nossa. Tenho pensado sobre essa proposta - Experimentar outros calçados, novas vestes de mim.

Se você é daqueles que, como eu, costuma organizar tudo (inclusive a vida do fulano, às vezes quando ele nem pede), sabe o peso que é ser a juíza; pessoa que coordena, cobra, contemporiza as divergências, faz check lists e procura encaixar as rotinas nos afazeres. Outro dia me chamaram de general. O apelido não é novo. Uma faceta que persiste, apesar dos desapegos da velha estrada. Descaminhos.

Só que a general quer sair de férias. Cansou de ser a memória, a secretária e o despertador dos beltranos. Quer calçar a sandália do rebelde, usar os óculos do louco e ver o mundo de ponta cabeça. Vê se pode! Dizem que é libertador e ninguém morre com isso.

Mas ela sabe que não é fácil deixar de bater o ponto de uma hora para outra, pois tem o hábito de encaixotar os dias, busca praticidade. No afã de organizar, acaba bagunçando tudo por dentro e ecoa um ruído lá fora. Dimensionou errado. O oceano não cabe numa taça.

A general não quer mais louça suja pesando nos ombros, nem se afetar com roupa jogada gritando "me arruma". “Que vá sozinha para o cesto. Essa guerra não me pertence”, avisou completando que precisava de folga.

Dia desses ameaçou pedir as contas. Esbravejou, vejam só. “Que os copos molhados se acumulem, que a mesa receba arranjos, papéis amassados e moedas. Preciso de descanso!”. Deu de ombros e me deixou falando sozinha, enquanto eu teimava em alocar um material na estante.

Desde esse episódio, a vida anda descarrilhada. A general sumiu. Só espero que não apareça de surpresa se eu entrar numa casa bagunçada, ou venha me incomodar pela sujeira dos outros, obcecada com fios de cabelos espalhados pelo chão. “Dos meus pelos cuido eu, o resto que se descabele!”, direi a ela.

Se o prazo não for cumprido, por favor, não conte a general. Fiz o meu melhor e me recuso a adoecer de culpa. Afinal, o trabalho é cooperação, então só pegarei a minha fatia desse bolo. O tempo, precioso, tem me assobiado.

A general passeando e o relógio emudeceu. Agora, pequenos gestos vêm roubando lágrimas. Quanta ousadia! São as delicadezas diárias que tornam a gente mais gente. Uma mensagem surpresa no meio da tarde, pipoca à noite sem motivo, abraço sem planos, um café sem avisar. Há muita poesia a ser apreciada.

O ano vai virar e os meses trazem metas, desafios. Bom sentir esses apuros e sorver a vida aos goles largos de uma sede longa. Para 2017, no entanto, o objetivo é não ter regras. Pretendo dar uma longa licença a general. E se for preciso, quebrarei pratos, para lembrar que dentro a gente é água.

Que possamos nos virar do avesso, se assim for o chamado. Trocar de roupa sempre que oportuno. Dar folga a generais, certinhos, donos da verdade. E trocar de veste, sempre que de novo apertar por dentro.

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