Nesse tempo de fala rouca, ser
ouvida tem sido um desafio para mim. Devido à cirurgia na cabeça, que afetou
consideravelmente minha voz, tenho lutado para expressar minhas ideias e ocupar
espaços que antes eram automáticos. A limitação atual me faz refletir sobre o
quanto estamos de fato disponíveis para ouvir o outro. Tenho vivido histórias
interessantes.
Episódio recorrente tem sido desligarem
a ligação na minha cara. Eu digo alô e do outro lado da linha pedem que eu fale
com mais força, eu me esforço e do lado de lá reclamam: “Senhora, a ligação
está baixa, não consigo ouvir”. Alguns tentam mais, outros menos. Eu ligo novamente,
desligam. Uma vez pedi ajuda aos universitários, enquanto minhas palavras
entalavam no meio da garganta. Tem sido um tempo de persistência e ponderação.
Até me considero uma boa ouvinte,
e sem voz, é o que mais tenho praticado. Nem sempre há espaço para interagir no
mesmo dinamismo de antes. Eu que era expert em piadinhas e sacadas cults, agora aceno com a cabeça, esboço
um sorrisinho e me faço de entendida. Falas mais enérgicas se sobrepõem ao meu
fôlego, ambientes maiores somem com a réstia das sílabas e eu escuto ruídos por
dentro. É tempo de observar.
Outro dia me disseram: “Fiquei
rouca igual a você. Foi horrível, ninguém me escutava, imagino que seja muito
ruim mesmo ficar sem voz”. Pois é, bem vindo ao meu novo mundo peculiar, que
não consegue cantar um refrão inteiro a plenos pulmões (em inglês é ainda mais
cômico) e que se deu conta de que gritar socorro é quase impossível.
O simbolismo dessa castração (como
diriam os analistas) me trouxe apreço pela fala. Quando no passado eu evitava me
expor, falar em público (embora ainda difícil), agora tudo que almejo é ser
ouvida, falar bem alto, mesmo que para uma plateia vazia. Gritar uns palavrões
para liberar a tensão.
No percalço de projetar a voz,
percebo que exige do outro paciência, atenção e de fato vontade em conversar
com uma criatura fanha e sem ar. Às vezes, para esse outro creio ser mais fácil
disparar o blá, blá, blá a perder tempo com uma voz soprosa e infantil. Na vida
há um fazer urgente.
Brinco que meu tom está
romântico, escuto resignada receitinhas para curar a “inflamação na garganta” –
casca de romã, mel com própolis, água com sal... “você vai ver que no outro dia
recupera rápido” – No fundo, é mais fácil afirmar com a cabeça do que explicar
minha condição. “Está certo minha senhora, eu agradeço.”
Tem horas que bate o cansaço e o
jeito é voltar para dentro, onde as perguntas preenchem parágrafos e minha voz
continua a mesma. Eu ouço meus acordes como se nada tivesse ocorrido. É
estranho. A fala que vem de dentro não mudou, só ficou mais barulhento do lado
de fora. Ainda prezo o silêncio para organizar as ideias que pipocam. Calar tem
seu valor.
Minha produção não diminuiu. Em
alguns dias até faço mais do que deveria e vejo que o corpo pede calma,
respeito, limite. Sabe quando a cabeça vai mais rápido e o esqueleto ficou
passos atrás? É tempo de fazer menos, de dizer não.
Se a voz falha, há que se escutar
o corpo e dar ouvidos à alma. Se do lado de fora nos ouvem menos, do lado de
dentro ouçamos mais. O tempo pede silêncio, para escutar a voz além do alcance.
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