quinta-feira, 25 de agosto de 2016

O melhor da vida é a Vida

É época de festejar a vida, mesmo que simbolicamente, já que a celebração deveria ser diária pelo presente que recebemos todos os dias ao abrir os olhos. Meu amigo me questiona por que adoro bolo e parabéns. Eu digo que a vida deve ser celebrada.

Aniversário é isso. Aquele momento que a gente se dá o direito de dizer em voz alta - "eu agradeço". A hora em que apagamos a vela para os três desejos. Oportunidade de nos autorizarmos a receber abraços calorosos.

Em tempos de festas pomposas, recordo das lembrancinhas que minha mãe fazia utilizando apenas copo plástico, cartolina, cola e tesoura. O resto era criatividade. Nós crianças adorávamos. Esperava cada ano pela mesa toda decorada com bombons, biscoitos, docinhos e alegria.

Em 2016 celebro a troca de idade com mais força. Descobri, por acaso, no início do ano um tumor na base do cérebro. Logo eu que repetia "só entro na faca se for questão de vida ou morte". Ou então “espero nunca fazer cirurgia da cabeça ou do coração”. Pois é, entrei para a estatística.

Entre o diagnóstico e a cirurgia, que fiz em Curitiba, levei pouco mais de um mês. Soube do "imprevisto" antes do carnaval. Aproveitei o período como uma espécie de despedida. Poderia ser minha última serpentina. A operação seria delicada, com possibilidades de sequelas, uma longa recuperação e talvez até morte.

Reuni as forças internas e segui numa espécie de transe. Sabe quando a gente não pensa? Foi assim. Não houve revolta, apenas um comando interno de "siga". Muitos oraram por mim, conhecidos, desconhecidos e família. E lá fui. Me internei em uma terça e operei na quarta.

Lembro de ser levada ao centro cirúrgico, esperar uns trinta minutos olhando para um relógio na pré-sala. O teto branco. Ali na maca de ferro, eu respirava pedindo confiança. Acordaria depois?

As últimas palavras com minha voz ainda normal foram para a anestesista. Uma japa de longos cabelos, com tom suave e experiente. "Minhas veias são finas. Por favor, não me deixe acordar no meio da cirurgia", supliquei. O médico, o expert, não vi. Duvidei se ele mesmo tinha me operado, mas ali não cabia questionamento. Apenas rendição.

Acordei sim. Já na UTI, sem conseguir engolir a saliva e com uma réstia de voz. Viva. O doutor veio, e como um holograma sussurrou perto de mim: "tirei tudo, você está curada". Dei graças e fechei os olhos. Foram oito dias de hospital. Noites em claro, dieta enteral, remédios, fisio e fono.

Ao receber alta, o médico da equipe deu uns três meses para eu me livrar daquele fio que caia no estômago. Perplexa, eu chorei. Voltando para casa do meu primo, que junto à esposa e filhos me acolheram por um mês, passei vinte dias com uma sonda nasal, sem engolir absolutamente nada.

Na luta diária, tudo que eu mais desejava era um gole de água. Mas não dava, não descia. Eu chupava gelo para amenizar a secura dos lábios, mesmo que para minha ilusão, já que eu não engolia. Tive crise de pânico devido às noites sem dormir, aos vômitos e aos engasgos. Meu corpo tremia. Contei com o apoio do marido, família, amigos, fono e a espiritualidade.

Sem voz, me descobri limitada, incompreendida e com raiva. Como eu iria exercer o Jornalismo sem a fala? Eu balbuciava e ninguém me entendia. Eu fazia mímica e só confundia mais os outros. Mas a fala não era o todo, apenas parte. Eu teria que perseverar.

Voltando para minha cidade, optei por começar uma análise. Seria um espaço para restabelecer meus limites e perceber o que dou conta neste momento. Vejo que é ocasião de me reinventar. E constato o quanto a recuperação é parte fundamental do processo.

Então é chegado 25 de agosto. A prega vocal esquerda continua paralisada, minha voz está rouca (que eu brinco chamando de romântica), algumas pessoas ainda desligam o telefone na minha cara por não me ouvirem direito. Ontem foi um dia desses. Talvez imaginem que seja trote, sei lá. Eu penso sobre o que fica quando o pior já passou. Afinal é o que todos dizem: "seja grata, o pior já passou". É verdade, o pior já passou e eu sou grata. Mas preciso acolher esse estranhamento e isso não significa ingratidão.

Agora há um misto de vazio (a vida mudou) e uma reacomodação é necessária para dar novo sentido às coisas, às pessoas, às escolhas. Sabe quando a gente toma um grande susto, vê a morte de perto, ou congela diante de um perigo? Então. Depois o corpo treme e busca se realocar no tempo e no espaço. Por isso, neste aniversário quero dizer novamente sim a Vida, sim à coragem e sim aos meus limites. Afinal, o melhor da vida é a Vida.

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